O Pesadelo da Borboleta: um devaneio de espetáculo!

Marilyn Clara Nunes, a mais recente professora do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), e atriz fundadora do Oposto Teatro Laboratório, apresentou, em 24/02/2024, sábado, no Espaço Caixa Mágica de Porto Velho, o fascinante espetáculo solo O Pesadelo da Borboleta.

Com a competente encenação da renomada atriz Julia Varley, do grupo Odin Teatret, da Dinamarca, esse solo, apresentado pela terceira vez na capital rondoniense, possui em seu histórico diversas premiações, a exemplo do prêmio “Myriam Muniz- montagem sudeste”, de 2016. O Pesadelo da Borboleta estreou na Dinamarca em setembro de 2018, após quatro longos e árduos anos de ensaio, e já foi apresentando Brasil afora, bem como no México. 

Com seu profissionalismo lapidado internacionalmente, Marilyn Nunes representa, de modo muito profundo e vertical, uma pintora que

está reclusa em seu ateliê de obras inacabadas quando adormece e tem um sonho – ou seria um pesadelo? Ela recorda passagens de sua primeira infância: seu nascimento, as primeiras flores e borboletas que viu, os rios, pássaros, árvores…e desse acesso às memórias surge também a lembrança da inesperada morte do pai. Acompanhada pela voz de sua mãe, que narra os detalhes desses acontecimentos, ela adentra o seu trauma. O isolamento em que vive é como o tempo de uma lagarta que espera o momento de tornar-se borboleta, ela busca por sua ‘metamorfose humana’.

A atriz Marilyn Nunes, com sua densa e complexa personagem, nos faz refletir sobre o tempo, sobre a morte/vida, sobre a memória/passado, sobre nossos aprisionamentos, sobre aqueles que amamos, e também sobre o porvir, pois, como disse o autor moçambicano Mia Couto, o “futuro é uma coisa que, existindo, nunca chega a haver” (“Mar me quer”).

Aliás, além de (ins)Pirações em Mia Couto, nas obras “Antes de Nascer o Mundo”, “Confissões da Leoa” e “O último voo do Flamingo”, O Pesadelo da Borboleta recorre, para sua intrincada tecitura dramatúrgica, às obras “O Diário de Frida Kahlo”, de Frida Kahlo, “Infância”, de Graciliano Ramos, “Violeta Velha e outras flores”, de Matheus Arcaro, “Viagem ao Oriente”, de Herman Hesse, e ao poema “Pirata”, de Hilda Hilst. E não menos importante, às próprias histórias de vida da atriz, como a perda de seu genitor quando tinha apenas três anos de idade.

A interpretação de Marilyn Nunes atinge um grau de virtuosismo sagrado. Ela, aproximando-me analogicamente ao Katkakali e ao Odissi indianos, enfrenta-se com os espectadores enquanto atriz, bailarina, cantora e musicista. E por que não como artista plástica, lembrando o princípio da atuação polifônica do encenador russo Vsevolod Meyerhold? Em termos metodológicos e didáticos, as ações cênicas que ela desenvolve são um exemplo primoroso do teatro antropológico de Eugênio Barba; um livro prático dos princípios poéticos e estéticos do teatro contemporâneo ocidental, desde Grotowski, passando por Peter Brook, e desembocando no próprio Barba e nos integrantes do seu Odin Teatret. E isso tudo com um toque da “peste virulenta” e da “loucura” de Antonin Artaud. Parafraseando esse teórico, Marilyn é “uma atleta afetiva” que, como uma borboleta em seu processo de metamorfose, emerge de sua pupa, expressando toda sua beleza, dor, plenitude e complexidade.

O Pesadelo da Borboleta é um espécime de ética profissional que faz transbordar nos espectadores os mais intensos sentimentos. Um gigante de sonhos profundos a despertar e voar pelos mais esplendorosos festivais de teatro do mundo! Um devaneio de espetáculo!

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Foto destacada da capa: Tommy Bay

FICHA TÉCNICA COMPLETA
Atriz criadora: Marilyn Nunes
Direção: Julia Varley
Assistente de direção: Flávia Coelho
Colaboração na criação de materiais cênicos: Laís Taufic e Flávia Coelho
Figurino e iluminação: Oposto Teatro Laboratório
Sonoplastia: “Canção para ninar Oxum”, cantada por Juçara Marsal; “Acalanto”,
cantada por Nana Caymmi e “Quando a saudade insistir”, cantada por Isaura
Garcia. Narração-Depoimento:Lucimar Sukert.
Montagem de sonoplastia: gravação e primeira edição: Marilyn Nunes; Segunda
edição: Flávia Coelho. Melhoria sonora: Beto Guedes. Edição de músicas: Flávia
Coelho; programação: Marilyn Nunes.
Texto inspirado em excerto das obras: “Antes de Nascer o mundo”, “Confissões
da Leoa” e “O último voo do flamingo”, de Mia Couto, “O Diário de Frida
Kahlo”, de Frida Kahlo, “Infância”, de Graciliano Ramos, “Violeta Velha e outras
flores”, de Matheus Arcaro, “Viagem ao Oriente”, de Herman Hesse. Poema de
Hilda Hilst “Pirata”.
Direção de montagem do texto: Julia Varley
Adaptação e pesquisa textual: Flávia Coelho, Lais Taufic e Marilyn Nunes
Cenário, figurino e adereços: Julia Varley, Marilyn Nunes e Flávia Coelho
Construção de adereços em madeira: Hjalmar Andersen
Fotografia: Tommy Bay e Ed Wesley
Gravação audiovisual do espetáculo: Studio Águia.
Produção: Oposto Teatro Laboratório.
Coprodução: Nordisk Teaterlaboratorium

2 comentários em “O Pesadelo da Borboleta: um devaneio de espetáculo!

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  1. Uau você conseguiu descrever e apresentar a obra com maestria como quem pinta uma tela. Colocando no texto toda a cor e o brilho que esse maravilhoso trabalho trás.

    O pesadelo da borboleta é realmente uma obra incrível. Como acadêmica me sinto lisonjeada por estar aprendendo com uma professora tão potente e com tanta bagagem.

    Curtido por 1 pessoa

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