Quando ensinar se torna uma paixão!

Há quatro anos estou em Porto Velho ensinando Teatro na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). A cada dia que passa descubro novas técnicas e metodologias de ensino que me fazem aproximar afetivamente ainda mais dos meus alunos. Os aprendizados e trocas, em todos os sentidos, são constantes. Por vezes somos “desarmados” por aqueles que, teoricamente, seriam as partes frágeis da relação aluno-professor. Então, a fragilidade se inverte!

Neste semestre (2018/1) estão sendo muitas as surpresas. E a turma do primeiro período é uma delas. Falante, desconcentrada e ingênua são alguns dos adjetivos que acreditei caracterizar tal turma. Ledo engano! Tais características, hoje, terminada a disciplina Laboratório de Improvisação Teatral 1, mostram que tudo não passava de euforia, ânimo, alegria e vontade dos jovens estudantes de estarem cursando Teatro na UNIR. Quiçá a realização de um sonho!

Jovens? Nem tanto, mestre! Nas palavras de Dennis Weber, ele “era o tio da sala, a anciã, a idosa, como mais tarde me chamariam os colegas, hehehehe”. Mais velho que ele, somente eu. Esse aluno trouxe para turma a experiência profissional adquirida no Grupo de Teatro Wankabuki, de Vilhena, e também como jornalista do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), de Porto Velho. Porém, devido a “idade avançada”, ele sofreu um acidente quando ensaiava para uma prova prática da disciplina Expressão Corporal 1, ministrada pelo professor Luiz Lerro, fraturou um dos pés, e foi “cortado” de última hora da Cena Final da minha disciplina. Em ano de Copa do Mundo, querido Dennis, isso, infelizmente, não pode acontecer! Tamanha foi a tristeza dele, e da turma – e minha também, pois tive que substituí-lo na “curingagem” da cena de Teatro-Fórum que começou a surgir no seminário do grupo que ele participava, como veremos mais adiante, por meio das suas próprias palavras – que tive que propor um desafio a ele. Foi mais ou menos assim: “- Se você escrever um texto sobre o segundo seminário da minha disciplina e ele ficar a contento, o publico em meu blog em homenagem a você e à turma”. Desafio aceito pelo aluno e muito bem realizado. Sendo assim, cumpro a minha promessa.

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“Avaliação Final  – Relatório sobre a apresentação do 2°Seminário da Disciplina

 

O tema escolhido para este seminário foi o Teatro do Oprimido de Augusto Boal. A turma foi dividida em três equipes que deveriam pesquisar sobre: 1) Arsenal de jogos teatrais; 2) Teatro-imagem; 3) Teatro-fórum. A data escolhida para a apresentação foi o dia 19 de abril. Os grupos deveriam apresentar as técnicas utilizadas em cada um dos métodos apresentados por Augusto Boal, destacados para esta segunda avaliação.

O primeiro grupo, composto por Flávia, Dalvan e Emerson, desenvolveu junto aos outros colegas de classe jogos teatrais que tiveram como objetivo aquecer os corpos dos jogadores, além de estimular a criatividade e a desinibição. Antes da aplicação dos jogos, os integrantes do grupo apresentaram uma pequena biografia do autor, destacando suas obras e contribuições para o ensino e pesquisa de teatro. Entre os jogos do arsenal de Boal estavam “Círculo Máximo e círculo mínimo”, “dividir o movimento” e “dança da maçã”.

O primeiro jogo consistia na formação de uma grande roda, em que os participantes deveriam, através das forças de seus braços, esticarem e se sustentarem através desta tensão, criando a imagem, que no meu ponto de vista, parecia uma flor desabrochada. Já o segundo jogo cobrava dos jogadores que os mesmos criassem um movimento que deveria ser replicado pelos demais jogadores. No terceiro jogo, duplas de jogadores deveriam dançar com uma maçã ligando os dois corpos, sem que as mãos tocassem a maçã, que no caso foi substituída por um balão.

O segundo grupo composto por Jonathan, Vinícius e Pandora ficou responsável por desenvolver os jogos propostos no Teatro-Imagem. Antes disso, os participantes da equipe explicaram as origens do método, além de realizarem uma apresentação modelo do Teatro-Imagem.

Após a parte teórica, os outros alunos da classe sortearam o tema “machismo”. Dois jogadores entraram em cena e ficaram imóveis como massas de modelar. Os demais jogadores, um de cada vez, entravam em cena e modelavam as duas massas com o intuito de transformá-las em uma representação “real” do que seria uma situação de machismo. Ao final, o personagem masculino apontava com autoritarismo para a personagem feminina, que varria o chão. Após esse primeiro momento, os jogadores deveriam transformar essa imagem “real” em uma imagem “ideal”. Nessa perspectiva, os participantes moldaram um casal apaixonado, sentado no chão e de mãos dadas. Percebi que os colegas da turma tiveram certa dificuldade para entender a proposta do jogo, fato que confirmei na segunda sessão do Teatro-Imagem.

O tema da segunda rodada foi “homofobia”. Em cena Rafael e Amanda, um representando o oprimido e o outro o opressor, respectivamente. Nessa nova situação, os jogadores moldadores demoraram a construir tanto a cena real quanto a ideal. Além disso, alguns desrespeitaram as regras do jogo, como a de fazer apenas um movimento nas massas. Na última sessão, todos os jogadores viraram massa e, ao comando dos representantes do grupo, construíram uma imagem, a partir da palavra “violência”.

Por fim, apresentamos nosso tema: o Teatro-fórum. O grupo, composto por Alexia, Amanda, Rafael e eu, se reuniu fisicamente três vezes para estudo e elaboração das propostas de atividades para o seminário. Lemos o livro “Arco-íris do desejo” de Augusto Boal, com o qual foi possível identificar as características do Teatro-Fórum. Além disso, pesquisamos artigos científicos na internet e vídeos com exemplos de cenas realizadas a partir do Teatro-Fórum. Com essa carga de material, construímos nosso resumo sobre o assunto para situar o restante dos colegas de classe durante nossa apresentação. No resumo destacamos as funções do Teatro-Fórum, a importância dos espect-atores e também do curinga, ressaltando a função social deste tipo de proposta e do seu poder transformador da realidade, uma vez que coloca a plateia em cena para resolver um problema.

Elaboramos também dois roteiros de cenas que poderiam ser abordadas na parte prática do seminário. Uma delas tinha como tema a “homofobia” e a outra “violência doméstica”. A escolha dos temas se deu por aproximação da realidade de muitos colegas de classe. Adorei essa parte do trabalho, pois amo contar histórias e esse momento exigiu muito da nossa criatividade: pensamos nas variantes que a história poderia ter. Segue a sinopse da primeira cena, intitulada “O que eu fiz para merecer isto?”:

No ano de 2020, após elegerem Temenaro como presidente do Brasil, inicia-se uma caçada aos homossexuais, bissexuais e todos que fogem aos padrões heteronormativos. Muitas famílias são estimuladas, através de recompensas, a entregarem familiares que apresentem condutas suspeitas. Nossa cena se passa em uma casa de família onde uma mãe telefona secretamente para a polícia, enquanto o filho está na sala lendo um livro.”

A partir desta sinopse definimos que Amanda seria o filho gay, Alexia seria a mãe, Rafael seria o policial e eu seria o curinga, aquele que estimula a plateia a entrar em cena, propõe novos caminhos para a narrativa e estabelece algumas regras no jogo.

Na outra cena, intitulada “O segredo dos seus olhos”, chegamos à seguinte sinopse:

 Um casal discute por ciúmes. O namorado expulsa Flávia de casa e a jovem liga para a amiga Pandora para conversar sobre o ocorrido. As amigas se encontram em uma praça e são seguidas por Jonatan. O namorado começa a discutir com as duas ameaçando bater nas mulheres.

Os papéis foram distribuídos da seguinte forma: Alexia faria a namorada, Amanda seria a amiga Pandora, Rafael seria o curinga e eu interpretaria o namorado agressor.

Repassamos as cenas algumas vezes até o ponto de virada das tramas e seguimos para nossa apresentação. Conseguimos desenvolver somente a primeira proposta, visto que investigamos várias maneiras de intervir na trama. Dos alunos que estavam na plateia, somente Flávia, Emerson e Vinícius, entraram em cena como espect-atores.

Os demais não reagiram às opressões apresentadas em cena. Flávia ocupou o lugar do policial, apresentando um agente mais humano, que considerou como louca a mãe que estava delatando o filho. Já Emerson ocupou o lugar do filho, e apresentou um jovem decidido sobre sua sexualidade, interrogando a mãe sobre sua capacidade de não sentir compaixão pelo próprio filho. Vinícius entrou em cena em duas ocasiões: uma como filho revoltado e assumido e a outra como mãe conciliadora.

Percebendo que a trama já não estava andando, entrei em cena e apresentei uma nova versão do personagem “filho” que, desta vez, questionou as sexualidades da mãe e do policial, saindo da condição de oprimido para opressor. A partir desses novos elementos narrativos foi possível se chegar a um acordo, com a mãe dispensando o policial e tendo uma conversa mais sincera com o filho.

Durante o desenrolar da cena, percebi muita tensão na plateia. Alguns dos colegas estavam até emocionados, pois provavelmente viveram ou presenciaram a opressão representada. No círculo de avaliação do seminário perguntei para Pandora e Jonathan porque eles não entraram em cena. Pandora disse que ficou sem reação diante do que estava vendo. Já Jonathan disse que aquela realidade apresentada não tinha relação com o seu cotidiano. Mais tarde Emerson veio me confidenciar que a história mexeu muito com ele, por ter passado situação semelhante em casa.

Posso afirmar que me senti confortável na condição de curinga, mas o fato da plateia interagir pouco me deixou inseguro. Estar em cena foi desafiador, mas ao mesmo tempo, revigorante. Virar o jogo, mostrar outros caminhos para a narrativa sempre é estimulante. Uma experiência que vou guardar para o resto da vida!” (Dennis Weberton Vendruscolo Gonçalves).

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Como não se apaixonar pelos alunos quando eles nos surpreendem? Quando ensinar se torna uma paixão, a saudade da família, dos amigos e de Minas Gerais machuca menos!

A seguir, apresento um trechinho do vídeo do aquecimento para a Cena Final (Teatro-Fórum), bem como fotos dessa cena, da qual o aluno Dennis não pode participar por motivo de afastamento médico:

 

Fotos e vídeos de Junior Lopes.

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