Espetáculo “As Mulheres do Aluá” repaginado e amadurecido

Personagens de Mulheres do Aluá – Fotos de Leonardo Valério

Há quase três anos, próximo à data da minha chegada em Porto Velho, ocasião em que assumi o cargo de professor do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia, tive a possibilidade de assistir ao espetáculo “As Mulheres do Aluá”, do Grupo Imaginário.

Lembro-me que ele tinha estreado fazia pouco tempo. Talvez eu tenha assistido à terceira ou quarta apresentação ocorrida no Teatro 1 do Sesc Esplanada. Mas não tenho certeza disso!

Muito bem, no frescor da estreia, recordo-me da potência estética do espetáculo, principalmente na visualidade (cenário, figurino, iluminação, maquiagem e penteado) e na trilha sonora. O Teatro 1 do SESC me pareceu muitíssimo aconchegante e propício ao desenvolvimento do realismo a que se propôs a direção do espetáculo, competentemente realizada por Chicão Santos.

O elenco da época contava com o delicioso trabalho de Zaine Diniz, Agrael Pereira, Jaqueline Luquesi e Amanara Brandão. A primeira atriz, bastante experiente, é uma das fundadoras do grupo, ao lado do esposo Chicão Santos. Já Agrael era aluna do curso de Teatro da UNIR e Jaqueline postulava ser discente desse curso, o que, mais tarde, se concretizou. Amanara Brandão, a caçula do grupo, almejava entrar no Curso de Artes Visuais da federal. Recordo-me que eu, Adailtom Alves e Alexandre Falcão, também professores de teatro na Unir, confabulávamos sobre a importância de convencê-la a bandear-se para o teatro. E isso, realmente, aconteceu.

No frescor e adrenalina da estreia, “As Mulheres do Aluá” demonstrou-se vibrante e fundamental na discussão dos papeis das mulheres na construção da cidade de Porto Velho, nos primeiros anos do século passado.

Depois de quase três anos pude assistir novamente, no último fim de semana,  a esse agradável espetáculo. Mas agora com uma nova configuração espacial, teatro de arena, e com uma nova integrante, Flávia Diniz, que substituiu Jaqueline Luquesi que se licenciou do grupo para trazer à luz o pequeno Ulisses.

Entre uma e outra apresentação que assisti há ganhos e perdas. Mais ganhos, na verdade, devido a passagem do tempo e ao amadurecimento das atrizes. Como professor de duas integrantes e de uma ex-integrante do grupo, convém, didaticamente, analisá-las. Ainda mais em se tratando de alunas das disciplinas de Improvisação, Interpretação e Encenação Teatral. Nesta última, por exemplo, estamos operando com as categorias poética e estética. Grosso modo, a poética está ligada ao fazer, com os modos de produção de um espetáculo. Já a estética relaciona-se mais com a recepção (sensorial, intelectual, etc.), por parte do público, dos múltiplos elementos de uma encenação.

O primeiro ganho refere-se à experimentação do espetáculo em uma configuração  de arena. Ele tinha sido concebido, inicialmente, para palco italiano. Com a apresentação ocorrida neste último sábado ficou claro que “As Mulheres do Aluá” pode acontecer tanto em palco italiano, quanto em semi-arena e até mesmo em arena (desde que em espaço fechado). Nesse sentido, o espetáculo é dinâmico. Porém, é preciso atenção das atrizes e do diretor em relação às especificidades das diferentes configurações espaciais pois, com a aproximação do público da cena por meio da arena, como a ocorrida no Tapiri, que é um espaço intimista, a quarta parede deixa de existir e realça ainda mais os elementos materiais e visuais da encenação. E as fragilidades ficam mais evidentes, como algumas falhas interpretativas, do mesmo modo que as qualidades saltam aos olhos, como a potência cenográfica. Contudo, neste primeiro ganho também há perdas, principalmente na iluminação, que é um dos pontos fortes do trabalho apresentado no SESC. O Imaginário ainda não conseguiu resolver os problemas técnicos do Tapiri no que tange aos equipamentos de luz e isso prejudicou a última apresentação.

Outro ponto a ser observado no âmbito desse novo espaço, mais especificamente sobre a apresentação do sábado, diz respeito à energia das atrizes. Não importa o número de espectadores, mas o elenco não pode deixar a peteca cair. Constantin Stanislávski, notável encenador pedagogo russo, dizia aos seus alunos sobre a importância de sempre se manter viva a energia de um espetáculo. Para ele, os atores precisavam constantemente trabalhar suas energias e emoções para que o espetáculo fosse sempre novo, independentemente se se tratasse da milésima ou da primeira apresentação. Nesse ínterim, o fazer e o descobrir deve ser diário. E tais descobertas, o novo, deve alimentar o velho.

Ainda em se tratando do visual, bem como das ações físicas e vocais das atrizes, há perdas no espetáculo atual. Uma delas pode ser notada na composição exterior da personagem “bruxa”, interpretada por Amanara Brandão. O penteado original, da estreia, é mais bonito e compõe melhor com a realidade psicológica da personagem. Porém, a atriz cortou os cabelos.  Já nas ações físicas, as maiores questões encontram-se na personagem “cigana”, interpretada por Flávia Diniz. Uma substituição é sempre muito difícil porque, geralmente, quem cria a personagem primeiro dá a ela características conforme suas vivências e experiências. Jaqueline Luquesi, que interpretava inicialmente a “cigana”, conhece danças folclóricas e movimentos do flamenco, como os que foram utilizados na elaboração coreográfica dessa personagem. Ademais, fala o espanhol, pois nasceu em Guajará Mirim, cidade rondoniense localizada na fronteira entre Brasil e Bolívia. Importa observar que a “cigana” é uma espanhola que veio trabalhar em Porto Velho na época da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Logo, no contexto da encenação realista do grupo O Imaginário, a “cigana” fala o espanhol fluentemente e conhece bem a dança flamenca. Por mais que se trate de teatro, uma arte ficcional por natureza, a verossimilhança pode gerar no espectador  o processo de identificação com a personagem (ainda mais no Brasil, império das telenovelas realistas!). Desta feita, um espanhol não tão bem articulado pode gerar um ruído, assim como a não execução precisa de determinados passos do flamenco. A sugestão que dou para Flávia Diniz, que carinhosamente chamo de Flavinha, atriz jovem com um futuro brilhante no teatro e no circo, é que busque a sua própria “cigana” a partir das experiências pelas quais passou.

No tocante às ações vocais, em determinadas passagens do espetáculo as falas ficam monótonas, no sentido de que apresentam continuamente o mesmo tom e que se repetem invariavelmente. Por isso, é preciso encontrar novas modulações, ritmos e coloridos vocais para as personagens a fim de valorizar ainda mais o excelente texto de Euler Lopes Teles. Por fim,  as cantigas executadas ao vivo são muito bonitas e corroboram bastante para a paisagem sonora do espetáculo.

Para concluir, faz-se mister notar que o trabalho de criticar um espetáculo de teatro, assim como os artistas nele envolvidos, é muito delicado e difícil, ainda mais quando o crítico é tão próximo (amigo e professor) dos integrantes do grupo. Venho trabalhando com meus alunos, e em mim mesmo,  a importância da crítica na construção do aprendizado da linguagem teatral, bem como enquanto ferramenta de reflexão estética sobre o espetáculo ou grupo ao qual ela se direciona. Desse modo, uma crítica configura-se como um olhar recortado ou ampliado, dos muitos olhares possíveis, de um dado fenômeno artístico realizado por determinado profissional. E ela varia de olho para olho. E como dizia o professor de Metodologia da Pesquisa Milton de Andrade, do Programa de Pós-graduação em Teatro da UDESC, a respeito da escrita e da pesquisa acadêmica, é preciso que se troquem os óculos constantemente. Isso serve bem para a crítica teatral!

 

 

 

 

 

Cartas pra vocês, Dulce Gil e Eliana Marcolino.

Porto Velho, 05 de maio de 2016.

 

 

Caras Eliana Marcolino e Dulce Gil, saudações.

 

É com muito prazer que lhes escrevo para relatar minha emoção em ler o livro “Cartas pra elas: uma história de vida”.

 

Porém, antes, gostaria de me apresentar a você, Dulce.

 

Meu nome é Luciano Oliveira e sou irmão de Carlos Oliveira, esposo de Eliana. Logo, esta é a minha cunhada querida, da qual tenho muito orgulho. Isto pelo fato d’ela, mulher negra e pobre de um pequeno distrito do interior de Minas Gerais, ser a primeira pós-doutora da família. E não só por causa de tão grande e merecido mérito, mas também por ela ser uma mulher, mãe, esposa e amiga incrível, tanto no sentido humano quanto no âmbito sensível e espiritual.

 

Como vocês e meu irmão, a minha história também é de luta e superação. Nasci em uma família pobre, de pai e mãe pouco alfabetizados. Porém, de grande sabedoria humana e de amor sobrenatural para criar com dignidade e respeito todos os nove filhos, sendo oito homens e uma única mulher. Tenho muito que agradecê-los! Mesmo sendo o caçula, fui o primeiro a terminar a graduação, em Teatro, e serei o primeiro a terminar o doutorado, também nesta área de conhecimento. Por tal motivo, por estar finalizando a minha tese, demorei tanto a ler esse excelente e emocionante livro. Estudar longe da família, em outra cidade, sendo pobre e imaturo intelectual e emocionalmente, não foi muito fácil. Passei por muitas privações, inclusive alimentares. As saudades de todos eram imensas. Mesmo agora, já sendo professor universitário em Rondônia, no Norte do Brasil, e fazendo doutorado no Sul do Brasil, com pesquisa no Sudeste, ainda preciso superar muitas adversidades, principalmente emocionais e de saúde. Estou longe da família há dezesseis anos. Por isso, perdi, e venho perdendo, muitas histórias e acontecimentos, como o crescimento do meu sobrinho Lorenzo, filho de Eliana, que vi apenas uma vez, quando era bebezinho. Enfim, não me alongarei mais nesta narrativa, pois não é o foco da minha carta.

 

Voltemos ao livro. Inicialmente, por desconhecer os verdadeiros fatos narrados por vocês, mesmo sabendo que Eliana ajudava uma amiga que vivia no exterior (segundo minha amada mãe uma mulher que morava no Paraguai), achei, em termos literários, tudo muito trágico e exagerado para uma personagem fictícia. Como pode tantas desgraças na vida de uma cubana que nasceu em uma família que se estruturou financeiramente em terras brasilis? “Não, não é possível, literariamente, que uma personagem sofra tanto assim!” Por que será que as escritoras estão a abordando dessa maneira? “Não basta de tanta tristeza no mundo? Deve ter um motivo pra isso”. Questionamentos estes que me incentivaram a continuar a leitura. E quão emocionante foi descobrir a verdade! Chorei muito durante a madrugada em que li a primeira carta da amiga Ana. Tive dificuldades de dormir, pois não parava de pensar no sofrimento da Maria cubana, mas que também é brasileira e venezuelana. E de tantas famílias como a dela espalhadas pelo Brasil afora, por todo o continente sul-americano, enfim, pelo mundo inteiro. Espelhei-me nesses acontecimentos e fui arremessado na memória familiar. Não gosto de lembrar das tristezas e das agruras do passado. Ademais, dói muito pensar em pessoas de bem passando por tais dificuldades e privações. Na realidade, ninguém deve sofrer isso, pois temos riquezas demais na Terra para alimentar e oferecer uma vida digna a todos os seres humanos, não importando a cor de pele, o gênero, a religião, a opção sexual, o local onde vivem, a língua que falam, etc.

 

Realmente, queridas amigas – permita-me chamá-la assim, Dulce, porque a considero, bem como as suas filhas e ao seu esposo, parte da nossa família -, “Cartas pra elas” é uma grande história de vida. O livro toca em questões muito sensíveis da condição humana, dentre elas a da fome, a da violência contra a mulher, a do HIV, a dos encarcerados, a dos esquecidos e abandonados pelos setores públicos, a do sofrimento das crianças, a da imigração, a do tráfico de pessoas, enfim. Gostaria muitíssimo de parabenizá-las pela iniciativa de reunir cartas tão bonitas e poderosas em um livro e de deixá-las para o futuro. Também me encantaria de convidá-las a lançarem essa obra em Porto Velho, cidade em que moro atualmente. Não sei, neste momento, como ajudá-las a fazer o lançamento aqui. Mas prometo-lhes pensar e agir com carinho para que possamos, seja com o apoio da Universidade Federal de Rondônia ou com a ajuda de outra instituição, trazê-las pra cá, com o fito de compartilhar com os rondonienses tão surpreendentes histórias.

 

Para finalizar, deixo o meu carinho, amor e abraços na tentativa de acalentar todos os corações sofridos.

 

Luciano Oliveira

 

 

 

A Ópera do Beradeiro: cantos de merda, gosto de esgoto, perfume de vômito!

 

1459385351_opera_do_beradeiro__foto_marcela_bonfim_2
A Ópera do Beradeiro – Foto de Marcela Bonfim

Sábado, 16 de abril de 2016. São 21 h e 41 min. Eu, sujo, suado, fétido e descabelado estou nu, encarando com asco a tela deste computador.

 

Sexta-feira, 15 de abril de 2016. Eram 08 h e 08 min. Estava eu, limpo, perfumado e penteado. Na UNIR, recebo, no meu whatsApp, uma mensagema do diretor Fabiano Barros:

” – Bo dia

–  Tudo bem, querido?

– Tudo

– Vamo confirmar sua apresentação no espetáculo pra amanhã às 20:30

?

– Vamos… Confirmado

Obrigado

– Pera (08:34)

Vamos lá: A Ópera do Beradeiro é um espetáculo construído sobre uma estrutura hiper realista, onde uma única pessoa participa da vivência … O espetáculo acontece em um garimpo dentro de uma Casa Draga REAL. O traslado até o local é feito de motocicleta, após isso, o partcipante terá que caminhar até o local. Há uma certa dificuldade em chegar ao local, por isso solicitamos dos participantes irem de tênis não derrapante, sem bolsas, jóias, celulares ou qualquer coisa de valor… Durante a vivência os intérpretes se dirigem de forma enfática ao espectador chegando em alguns momentos tocá-los… O retorno do espetáculo é feito da mesma maneira (de moto). Há alguma dúvida? Sendo o espetáculo feito para maiores de 18 solicito que nos mande um áudio falando seu nome completo sua idade dizendo que tem ciência de todas as etapas e características do espetáculos. e se está de acordo para que possamos confirmar sua apresentação.

 

– Sério que terei que andar de moto? Tenho pânico, pois quase morri                                                num  acidente. (08:41)                                                                                                                                                                          Rs                                                                                                                                                    As demais questões, pra mim, sao tranquilas.

– Pois é… Vai conseguir?

                                      – Será muito radical a moto? rs

– Não

Só o traslado

 

                                 – Então eu vou, mas abraçarei firme o motoqueiro.

                                                                                                         kkk (08:44)

– Ok

So manda o áudio

– (…………………………………………………………..).

– kkk

Amanhã às 20:30/ em frente ao palácio das artes

– Blz. (08:55)

 

Sábado, 16 de abril de 2016. Às 20 h e 25 min estava eu, limpo, perfumado e penteado em frente ao Palácio das Artes. Pontualmente chega o motoqueiro: de chinelo, bermuda e camisa de manga curta. Um capacete pendurado no braço direito, mochila preta nas costas. Eu pensei: “Que estranho!”. Sobre minha regata cinza, vesti uma jaqueta de couro comprada em Buenos Aires. Calça jeans de marca. Tênis Mizuno nos pés. Eu perfumado de Bulgari AqUa Amari, comprado em minha última viagem também à Argentina. (Coincidência).

 

O motoqueiro me dá uma encomenda para levar às costas. “Não tem drogas aqui dentro não, né?”. (Silêncio). “Fabiano te disse que eu tenho pânico de moto e que quase morri de acidente?”. “- Não”. – “Pois é, se você correr vou te abraçar!”. “- Pode abraçar se quiser!”.

Dou os meus óculos, também de marca, para o piloto segurar. Coloco o capacete suado na cabeça. Reponho meus óculos e ele dá a partida, muito lentamente. (Silêncio). O pânico toma conta de mim. Meu coração acelera. Percebo apenas um forte cheiro de cigarro. “Será este cara?”. Vamos reto, viramos à direita, depois à esquerda na Avenida dos Imigrantes. Seguimos reto. O caminho está um breu. À esquerda, um carro de polícia. Pessoas aglomeradas. Eu disse: “Aconteceu algo ali”. (Silêncio). Continuamos em linha reta até passar por debaixo da ponte que passa por cima do Rio Madeira. Cheiro insuportável de esgoto, de merda! Cruzamos alguns caminhões. Lugar escuro, triste, fétido e esburacado.

– “Chegamos”.

Um homem estranho, encostado numa pilastra de uma casa pobre, estava nos olhando. Será que vigiando? Eu, com medo, dou boa noite. Ele responde: “Boa noite!”. Entramos numa pequena mata enlameada. Um cachorro late e parte pra cima de mim. O motoqueiro o espanta. Meu coração acelera novamente. Ouvem-se ruídos de dragas sugando a riqueza do Rio Madeira.

– “Cuidado com o morro. Pise aqui para não escorregar. Desvie do ferro. Pule a corda e pise ali”.

 

Chegamos à draga.

– “Bata palma que você será recebido”.

 

Ô de casa!!! (pá-pá-pá). Surge então a primeira personagem: um menino-menina (ou um travesti?), interpretado pelo promissor Rafael Barros, me manda subir as escadas.

– “Você trouxe a encomenda?”. – “Sim”. – “E abriu pra ver o que era?” – “Não”. – “Que bom”. “-Pai, chegou o novato”. Eu era o novato que estava ali para não sei o que. Surge então, bêbado, maltrapilho, sujo e com uma garrafa de cachaça nas mãos o garimpeiro. “- Quem é você?” – “Sou o Luciano”. “Ah, sente-se aqui”. Aquele ébrio, interpretado magistralmente pelo ator Cláudio Zarco, fede: fede a cachaça, a vômito, a bosta, a cigarro, a suor, a sexo. Grotescamente ele baba, ele cospe, ele escarra, ele encara. Ele grita. Ele bate como um porco no chiqueiro. Violento, o protagonista “Beradeiro” agarra os cabelos do menino-menina (ou do travesti?) e o joga na parede de madeira. Ele, por sua vez, triste e desdenhoso, pega-me pela mão e me apresenta a “casa”. O chão estava imundo. Havia cigarros por todos os lados. De cima, vê-se o rio vermelho sendo dragado, explorado, sendo morto pelo mercúrio. Os ruídos das dragas são constantes. Será esta a ópera? Não pode ser. Mas o que tem de ópera na miséria, na imundície e na degradação humana? Ouvem-se cri-cris de grilos, coaxar de sapos. A paisagem auditiva é tão realista quanto a interpretação. Tão realista quanto a tensão que paira no ar. Meu coração acelera-se “again”. Ali eu sou o estrangeiro, o branquelo, o estranho, o novato. Naquele lugar eu sou o outro, o lado oposto da moeda de ouro. Eu sou o burguês. A pedra lapidada, o professor universitário. O funcionário público estável num espaço instável e inseguro. Espaço de morte. De palavrões. De gritos. De assédio sexual e moral. Bafo quente de mau hálito me é cuspido de ambos os lados do pescoço. Histórias violentas me são contadas ao pé do ouvido. Eu arrepio. O menino-menina gosta. Sente o meu corpo. Sorri. Me chama. Me convida pro sexo. Me pergunta se eu gosto de cu, de pau ou de boceta. Eu respondo. Ele também: “Eu também”!. “- Pai, conte pro novato a história da Iara”. “- Eu não sou seu pai. Meu filho morreu aos doze anos!”. Fala gritando. Grita falando. Incesto. Nojo. Que asco! O pai faz do menino a sua menina: sua mulher. O bronco e fétido assassino que matou a mulher e jogou no rio. Que mata os comparsas para roubar o ouro. O ouro da discórdia, que segundo o travesti (?) rende R$ 40.000, 00 por MÊS. Mais que o salário de um professor. Muito mais que o salário de um deputado. Será?

O bêbado bate os pés. Tropeça. Cai por cima de mim. Me cospe todo. Me suja. O filho me seduz, me chama pra cama. Seduz ainda o pai. Faz charme. Um charme escatológico, grotesco. Um charme bicha. Eu apanho. Camaradamente. Mas nem sempre, camarada! Os meus braços brancos ficam vermelhos, como o rosto do filho esbofeteado. Lastimável! Que vida é essa, companheiro? Que decisão faz de vocês aqui? Submundo das armas. Submundo do sexo. Submundo do ouro.

Calor insuportável. O meu suor lava meu perfume como o mercúrio amalgama o ouro. O meu suor se mistura ao cheiro de bafo, ao odor de sexo oral, ao gosto de fezes. A Ópera do Beradeiro canta em um rádio toca fitas. A agora mulher dança. Baila para seu pai. Que aplaude. Que ordena que eu faça o mesmo. E eu, obediente, faço. Surge, então, a Bernadete, a Maria do Carmo, a Cristiane, a Perpétua do Socorro. As pepitas têm nomes. Com orgulho são exibidas pelo explorador. Mas falta uma.” Cadê sua desgraçada?” Bate. Apanha. Arrasta. Eu apanho. A agora mulher apanha. É enforcada. É forçada, nua, a cagar o ouro. Cadê o ouro? Onde está o ouro? Pra onde foi o ouro? Apanha. Grita. Chora. As lágrimas se juntam poeticamente.

Eu sou expulso dali. O bêbado asqueroso e de pés sujos me empurra. Quase sou jogado pelas escadas.

Em baixo me espera: o motoqueiro. “-Me acompanhe!”. (Silêncio). Meu coração se acelera, “de nuevo”, “again”. As dragas dragam. Os sapos latem. O cachorro faz cri-cri. Confusão. Onde estou?

A fortíssima, suja, asquerosa, nojenta, poética, suja (“again”) “A Ópera do Beradeiro” continua na moto. (Ouvem-se apenas os ruídos do motor). Eu me excito. Tenho pânico. O mesmo caminho escuro ao contrário. O mesmo cheiro de cigarro. Mas agora misturado ao meu perfume de vômito, de cachaça, de esgoto. (Silêncio. Só são sentidos os cheiros de esgoto). O mesmo bar. “Again”. O caminho inverso. A vida está ao contrário, Fabiano, Madson, Cláudio Zarco, Rafael Barros. Meu coração lastima.

Volto ao meu carro 1.6. Decido não ligar o som em inglês. Quero continuar com as dragas que chupam o meu sangue.

Chego em casa. Sinal de wi-fi. Meu whatsApp toca: “A Cia de Artes Fiasco agradece sua participação na peça A Ópera do Beradeiro. Curta nossa página e nos deixe um comentário https://m.facebook.com/ciadeartesfiasco/

São 23 h e 17 min. Não farei correções, pois o espetáculo continua no meu corpo. As minhas roupas estão no chão e as letras apontam: “ópera canto de merda, gosto de esgoto, perfume de vômito!”. O grotesco e o sublime em Porto Velho.

 

 

 

 

 

 

Hibridismo, mestiçagem e polifonia em Bê-a-bá Brasil e em As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras − Grupo Oficcina Multimédia

Artigo publicado na Revista Valise, v. 3, n. 6 (2013), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaValise/article/view/41905

RESUMO: No presente artigo, inicialmente, apresento o compositor Rufo Herrera, a encenadora Ione de Medeiros e o Grupo Oficcina Multimédia (GOM), de Belo Horizonte. Em seguida, faço um recorte de dois, dos mais de vinte espetáculos encenados por essa diretora, para que eu possa analisar os conceitos de hibridismo, mestiçagem e polifonia, assim como os seus respectivos desdobramentos, a partir das montagens de Bê-a-bá Brasil e As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras.

Palavras-chave: teatro mineiro contemporâneo, multiplicidade de linguagens artísticas, multimeios, integração e intertextualidade.

 

ABSTRACT: In this paper, initially I present the composer Rufo Herrera, the theater director Ione de Medeiros and the “Grupo Oficcina Multimédia” (GOM), of Belo Horizonte city. Then, among the more than twenty staged shows by this director I do a selection of two, so that I can analyze the concepts of hybridism miscegenation and polyphony, and its own developments, from the stagings “Bê-a-bá Brasil” and “As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras”.

Keywords: contemporary theater of Minas Gerais state, multiplicity of artistic languages, multimedia, integration and intertextuality.

Rufo Herrera, compositor e especialista em bandoneón, nasceu em Córdoba, Argentina, em 1933. Desde 1963 está radicado no Brasil. Em 1969, convidado por um grupo de compositores da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, transferiu-se para Salvador e integrou o movimento emergente da música contemporânea brasileira. Em 1976, recebeu um convite para participar do VIII Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), realizado em Ouro Preto, no qual ministrou uma oficina de arte integrada, desenvolvendo, assim, um trabalho processual com diversas áreas de criação artística. Já no ano seguinte ministrou uma oficina semelhante, conhecendo, na ocasião, Ione de Medeiros, atual diretora do Grupo Oficcina Multimédia (G.O.M.). Do encontro entre os dois jovens artistas surgiu o G.O.M., que foi sediado na Fundação de Educação Artística (FEA) de Belo Horizonte. Desde então, Rufo vive, ao lado de Ione, na capital mineira.

Ione de Medeiros nasceu em 18 de junho de 1942, em Juiz de Fora. Nessa cidade formou-se em Francês, em Letras e em Piano. Em 1977 participou da criação do  Oficcina Multimédia. Em 1983, assumiu a direção definitiva do G.O.M. dando continuidade à proposta multimeios iniciada por Rufo Herrera, com o objetivo de fundir no palco múltiplas formas de linguagens artísticas, como o teatro, a música, as artes visuais, as artes plásticas, o cinema, a dança, etc.

O espetáculo Sinfonia em Ré-fazer, de 1978, inaugurou a linguagem multimeios do grupo. Desde que Ione assumiu a direção do G.O.M, o grupo mantém o processo de elaboração coletiva de seus espetáculos. Logo, os diversos trabalhos montados desde então, gradualmente, foram configurando o atual perfil do Multimédia que hoje se define, dentre outras características, pela consolidação da pesquisa multidisciplinar e pela elaboração não hierárquica entre os diversos elementos da linguagem.

Sobre a linguagem cênica do Multimédia, Ione diz o seguinte: “o que nos define como um grupo peculiar é o fato de que entramos no teatro pela porta da música” (Medeiros, 2007, p. 15). Dessa forma, a encenadora transpõe à encenação teatral o caráter abstrato da linguagem musical. Com essa visão de abstração, as referências para as encenações multimeios do grupo, segundo essa encenadora, seriam:

(…) as montagens não têm a função prioritária de contar uma história ou seguir um discurso linear; (…); e os atores não estão unicamente sob o jugo de um personagem, mas seguem um roteiro concebido como uma partitura polifônica em que as muitas vozes correspondem às diversas possibilidades sonoras, visuais e plásticas que integram a dramaturgia do espetáculo (Medeiros, 2007, p. 15).

Para concluir, observa-se, desde a fundação do Oficcina Multimédia, a preocupação dos seus criadores com a busca pela polifonia artística, por meio do hibridismo de linguagens e pelo dialogismo interdisciplinar entre artistas, cena, música, artes visuais, artes plásticas, dança, literatura, e assim por diante.

Bê-a-bá Brasil: memória, sonho e fantasia – Em busca de uma cultura nacional híbrida e mestiça

Os termos misturas, mesclas raciais e culturais, assim como as categorias hibridismo cultural e mestiçagem étnica aparecerão muitas vezes no decorrer deste item. Por isso, inicio com os conceitos mestiçagem e hibridismo, fazendo as suas devidas diferenciações, pois os termos são comumente confundidos e trazidos como sinônimos. Logo depois retomarei a análise do espetáculo Bê-a-bá Brasil. Começo pela mestiçagem.

Gruzinski (2001, p. 60) diz que essa categoria é ampla, de difícil apreensão, “complexa, imprecisa, mutável, flutuante, sempre em movimento, (…) como uma nuvem. [Esse] modelo da nuvem supõe que toda a realidade comporta algo de irreconhecível e sempre contém uma dose de incerteza e de aleatório”. E a presença do aleatório e da incerteza, segundo o autor, confere às mestiçagens seu caráter impalpável e paralisa nossos esforços de compreensão. Assim, complexidade, imprevisibilidade e aleatoriedade parecem, pois, inerentes às misturas e às mestiçagens.

O sentido da palavra mestiçagem vem do passado, da Idade Média ao presente. Entretanto, as mestiçagens aparecem na América no século XVI, na junção de distintas temporalidades, as do Ocidente cristão e dos mundos ameríndios. Assim, elas as colocam brutalmente em contato e as imbricam umas nas outras. Desta feita, o enfoque dado às mestiçagens, por Gruzinski (2001), é a Europa do Renascimento e a América da Conquista, mais especificamente o México espanhol.

Sobre os termos mestiçagem e hibridação, resume Gruzinski (2001, p. 62):

Empregaremos a palavra “mestiçagem” para designar as misturas que ocorreram em solo americano no século XVI entre seres humanos, imaginários e formas de vida, vindos de quatro continentes — América, Europa, África e Ásia. Quanto ao termo “hibridação”, aplicaremos às misturas que se desenvolvem dentro de uma mesma civilização ou de um mesmo conjunto histórico — a Europa cristã, a Mesoamérica — e entre tradições que, muitas vezes, coexistem há séculos.

Misturar, interpenetrar, fundir, juntar, justapor, sobrepor, cruzar, mesclar, amalgamar e inventar são algumas das palavras que se aplicam à mestiçagem. Por fim, ainda conforme Gruzinski (2001), nas Américas do século XVI, fragmentos de culturas indo-afro-europeias se mesclaram, se adaptaram umas às outras, se improvisaram, se deduziram, se inventaram, se aprenderam. Por isso, não é possível pensar em purezas culturais, mas sim em culturas mestiças e híbridas.

Já para Canclini (2008, p. XXVII), a palavra mestiçagem pode designar as fusões étnicas de um indivíduo ou de uma cultura:

A mistura de colonizadores espanhóis e portugueses, depois de ingleses, com indígenas americanos, à qual se acrescentaram escravos trasladados da África, tornou a mestiçagem um processo fundacional nas sociedades do chamado Novo Mundo. […] Mas a importante história de fusões entre uns e outros requer utilizar a noção de mestiçagem tanto no sentido biológico — produção de fenótipos a partir de cruzamentos genéticos — como cultural: mistura de hábitos, crenças e formas de pensamento europeus com os originários das sociedades americanas.

Canclini (2008) também se refere às palavras hibridação e híbrido. Para ele, o último termo, recorrente na biologia, de sentido de “mistura genética”, pode ser aplicado à cultura no sentido de “misturas culturais”, ou seja, uma cultura que se origina da mescla de várias outras culturas. Já por hibridação ele entende “os processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos ou práticas” (Canclini, 2008, p. XIX).

Tanto Gruzinski quanto Canclini referem-se às mestiçagens como misturas ocorridas no Novo Mundo entre diferentes indivíduos (etnias) e entre diferentes culturas. Contudo, Gruzinski nos pede cuidado e atenção ao utilizarmos as palavras mestiçagem, hibridação e mistura, principalmente em caso de pressuposição de misturas e mestiçagem cultural, mestiçagem biológica e mestiçagem de crenças e ritos (sincretismo religioso). Isso porque nem todos os aspectos culturais são miscíveis. Ademais, Gruzinski (2001, p.43) diz ainda que as relações entre mestiçagem biológica e mestiçagem cultural são pouco claras: “[…] Ao pormos o assunto nesses termos, eliminamos a questão das relações entre o biológico e o cultural com o social e o político”.

Em síntese, mesmo que os termos mestiçagem e hibridismo dão mostras de serem sinônimos, não devemos tratá-los assim. Parece-nos que, antes de ser cultural, a mestiçagem é primeiro biológica. Isso quer dizer que o cruzamento genético ocorreria antes da mistura cultural. Assim, o termo mestiçagem, para Canclini (2008), é melhor utilizado quando aplicado às misturas genéticas, no sentido de mestiçagens étnicas (que, conceitualmente, não deixam de ser culturais). Por conseguinte, ainda conforme esse autor, o termo hibridismo seria mais apropriado ao choque (misturas) entre diferentes culturas, que produziria um novo elemento cultural: híbrido. Finalmente, o hibridismo é útil ainda para tratarmos as misturas de linguagens artísticas, como será feito a seguir.

Dados esses conceitos, entremos agora no espetáculo Bê-a-bá Brasil: Memória, sonho e fantasia, dirigido por Ione de Medeiros, em 2007, e estreado no mesmo ano no Galpão Cine Horto, de Belo Horizonte. As artes plásticas, as visuais e a literatura foram referências fundamentais para a montagem, sendo escolhida como suporte inicial do trabalho a obra Abaporu Homem que Come (1928), pintura de Tarsila do Amaral; e, como referências conceituais posteriores, obras da literatura de Oswald de Andrade, principalmente do Manifesto Antropofágico. Segundo Medeiros (2007, p. 201), o objetivo do espetáculo era, a partir dessas referências, “esboçar cenicamente o perfil de um Brasil moderno, cheio de contornos e mesclas raciais e culturais, compondo um mosaico social complexo, sempre em movimento”. Com esse espetáculo, o objetivo do grupo era revisitar valores relacionados à contínua formação da identidade cultural do Brasil, discorrendo livremente sobre o tempo, desde o século XVI ao XXI. Para tanto, levantou-se uma pergunta: existe um Brasil brasileiro?

Em síntese, o roteiro de Bê-a-bá Brasil, que foi elaborado sobre um rap musical, é não linear e se dá por meio de saltos temporais e espaciais. Além disso, é repleto de anacronismos e de citações, possui referências constantes à globalização, ao hibridismo cultural, à mestiçagem étnica, à modernidade e, também, à pós-modernidade. Ademais, é inspirado nos quatro elementos da natureza e tem como ponto inicial as naus portuguesas rumando a um novo continente, com a globalização iniciada no século XVI. Foram reunidos, num mesmo espaço-tempo, o passado, o presente e o futuro, em que o grupo saltou das caravelas de antigos navegadores para o planeta Terra, representado por um balão gigantesco, simbolizando o surgimento de uma nova configuração na identidade cultural de todos os povos. Como num anacronismo para o futuro, os navios são carregados de ícones da modernidade, como a televisão, e da pós-modernidade, como os computadores, que foram hibridizados a elementos toscos e rudimentares, e também às cruzes, que suscitam a religiosidade dominante, o cristianismo católico, durante a colonização do nosso país (fig. 1).

Ao elemento terra corresponde à chegada dos portugueses no Brasil, com imagens em vídeo projetadas sobre a riqueza cultural do país e fundidas com a representação cênica do quadro Abaporu. A presença de um índio mestiço na cena, vestido com uma camisa da seleção brasileira de futebol (fig. 2), satiriza, atemporalmente, o embate entre os nativos e os colonizadores. Aqui, ocorre um hibridismo entre o sagrado e o profano, que está presente também no elemento fogo, representado por um fogareiro a gás no qual ocorre um ritual antropofágico ao contrário, em que o branco devora o índio. O elemento ar, por sua vez, é uma homenagem a Santos Dumont, com o seu anseio de céu e de modernidade tecnológica, e sustenta a inserção de um globo terrestre na cena, símbolo de um mundo sem fronteiras. Além disso, placas de metal são manipuladas como um grande pássaro. Chamadas por Ione de fênix moderna, as placas estariam gerando um ovo colossal, originando um mundo virtual que aponta novos caminhos na construção da identidade e na comunicação entre os povos: inicialmente, entre europeus e indígenas; mais tarde, entre estes e os povos africanos.

Cenicamente, observamos que o espetáculo propõe um discurso dialógico não verbal, valendo-se, portanto, de imagens, sons e movimentos; retratando o Brasil em uma linguagem primordialmente sonora e imagética. Quanto aos elementos do espetáculo, nota-se um cenário móvel – constituído por uma série de cubos superpostos, passarelas, escadas, etc. −, aliado a tecidos e bandeiras que servem também de telas de projeção; um palco saturado de objetos de cena, como carrinhos de supermercado e monitor de computador; e uma trilha repleta de mixagens de paisagens auditivas e de sonoridades extraídas de materiais não convencionais − como cadeiras e portas − que enaltecem o caráter alegórico da encenação. Além do mais, o figurino alude aos parangolés de Hélio Oiticica, importante artista performático da vanguarda brasileira.

Os vídeos, elementos fundamentais para essa encenação, já que criam paralelos e simultaneidades entre o passado e o presente, entre o real e o ficcional, possuem motivos que, na perspectiva de Ione, valorizam o Brasil, a partir de um resgate de imagens belas da nossa natureza, além de matrizes da nossa cultura.

A trilha sonora dialoga, cenicamente, com a coreografia, com os cantos e as falas dos atores. É importante notar que são pouquíssimos os textos das figuras cênicas (como o grito “Brasil!”), e, por serem dados em formas corais, e às vezes tribais, dificultam bastante a compreensão. Em meio a uma profusão de sonoridades, e de uma multiplicidade de vozes e de ruídos, como sons de tribos indígenas, torções de mastros e sirenes de navios, notamos também toques de berimbau, de agogô e de atabaque, de sambas instrumentais, a canção de abertura do I Ato da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, comumente ouvida no início do programa de rádio A Voz do Brasil, de um “rap indígena”, dentre outras cantigas.

Bê-a-bá Brasil
Bê-a-bá Brasil: Hibridismo entre a modernidade e a pós-modernidade .
Índio mestiço da “Santa Ceia” do Multimédia
Índio mestiço da “Santa Ceia” do Multimédia

Figs 1 e 2. Bê-a-bá Brasil: Hibridismo entre a modernidade e a pós-modernidade e o índio mestiço da “Santa Ceia” do Multimédia. Fotos: sem referências a autoria. Fonte: Acervo do grupo.

Por fim, a relação complexa e constante entre música, artes visuais, artes plásticas, literatura, expressão corporal, uso não cotidiano da voz, iluminação, cenário, figurinos e, enfim, da construção criativa de figuras cênicas e de monstros; assim como das múltiplas referências culturais, de pensamentos e de crenças religiosas; produz, desde o início dos processos de criação de Bê-a-Bá Brasil, um entrelaçamento de linguagens e vozes artísticas que gera um espetáculo híbrido e polifônico. De tanta mistura, como feita numa máquina mestiça de sons, movimentos e imagens, torna-se complexo distinguir a homogeneidade das distintas camadas heterogêneas desse espetáculo.

 

Multiplicidade de vozes e discursos em As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras

 

O espetáculo Bê-a-bá Brasil também poderia ser analisado à luz do conceito de polifonia, assim como As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras pode ser observado sob a ótica do hibridismo. Isso porque, acima de qualquer fato, a forte característica multimídia do G.O.M., e a ampla e distinta formação artística dos membros do grupo, possibilita ambas as análises. Então, essa divisão do artigo em duas partes é, antes de tudo, metodológica. Discutir esses conceitos a partir dos dois espetáculos extrapolaria as dimensões deste artigo. Passemos, assim, à polifonia.

Ernani Maletta, professor de teatro da UFMG, em depoimento sobre o G.O.M, pondera sobre a polifonia do grupo:

Qualquer processo criativo relacionado ao Teatro – arte polifônica por natureza – deve contar, desde o início, com a presença de todos os discursos provenientes das múltiplas dimensões artísticas que o fenômeno teatral compreende e que se referem à Música, às Artes Plásticas, às Artes Corporais e à Literatura. Nesse sentido, o [G.O.M.], em toda a sua trajetória, é um dos exemplos mais evidentes de formação e criação artística fundamentada no conceito de atuação polifônica (Maletta, apud Medeiros, 2007, p. 202).

Dada essa colocação, coloco duas perguntas: o que é, realmente, a polifonia? E de que maneira ela pode ser notada em As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras?

Vejamos o que Sadie (2001, p. 74) diz sobre o termo em seu dicionário de música:

(…) música em mais de uma parte, e o estilo em que todas ou algumas das partes musicais movem-se, em certa medida, de forma independente. Polyphonos (‘muitas vozes’) e Polyphonia ocorrem na Grécia antiga, sem qualquer conotação de técnica musical. (…) formas do adjetivo começaram a ser usadas em línguas modernas, ambas designando fenômenos não musicais, como cantos de aves, linguagem humana e ecos múltiplos; e os fenômenos musicais, como faixa instrumental e variedades tonais, bem como as músicas variadas que podem ser reproduzidas em um dispositivo musical automático.[1] (Tradução minha).

Dessa definição destaco: “todas ou algumas partes podem se mover de forma independente”. Isso parece nos dizer que, mesmo que as vozes soem de maneiras simultâneas, elas resguardam as suas individualidades e especificidades. Logo, podem-se identificar, num coro de vozes aparentemente homogêneo, as partes que a constituem. Voltaremos a esse ponto mais adiante.

O conceito de polifonia, surgido na música, foi aplicado, mais tarde, à literatura por Mikhail Bakhtin, principalmente em se tratando dos romances de Dostoiévski.

Para Bakhtin (2002, p. 04),

Dostoiévski não cria escravos mudos, mas pessoas livres, capazes de colocar-se lado a lado com seu criador, de discordar dele e até rebelar-se contra ele. A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski. Não é a multiplicidade de caracteres e destinos que, em um mundo objetivo uno, à luz da consciência una do autor, se desenvolve em seus romances; é precisamente a multiplicidade de consciências equipolentes e seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo a sua imiscibilidade. (Itálicos do autor).

 

 Por vozes plenivalentes entendem-se aquelas que são

plenas de valor, que mantêm com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como participantes do grande diálogo” [E por equipolentes, as vozes e consciências] que participam do diálogo com as outras vozes em pé de absoluta igualdade; não se objetificam, isto é, não perdem o seu SER enquanto vozes e consciências autônomas (Bezerra apud Bakhtin, 2002, p. 04).

As vozes múltiplas as quais Bakhtin se refere estão em oposição à voz única, monológica, do autor onisciente e onipresente. Assim, o que caracterizaria a polifonia seria, então, a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico.

Já em relação à polifonia teatral, trago, mais uma vez, a contribuição de Maletta (2005), que diz que o teatro é, em si, uma arte expressa por múltiplas linguagens, cujo discurso é constituído por diversos outros discursos delas provenientes. Ou seja, este seria, sem dúvida, um discurso polifônico.

Por último, esse autor traz para sua reflexão Barthes (1964, p. 50), que se refere ao teatro como uma “verdadeira polifonia informacional”. Ele aponta que o teatro seria uma máquina cibernética emissora de diversas mensagens simultâneas, algumas das quais permanecem – como, por exemplo, o cenário – enquanto outras mudam constantemente – a palavra, as imagens, os gestos.

Muito bem, dadas essas definições e características da polifonia, retomaremos a segunda questão: “de que maneira ela pode ser notada em As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras?”. Analisaremos essa pergunta juntamente com alguns dados desse espetáculo, estreado, em 2010, no Galpão Cine Horto de Belo Horizonte, sob direção de Ione de Medeiros.

Em suma, trata-se de um trabalho imagético, de criação coletiva − em que agem múltiplas vozes e discursos −, livremente inspirado na obra O Jardim das Cerejeiras (1904), de Anton Tchekhov, cujo tema gira em torno dos conflitos sociais que marcaram a Rússia do final do século XIX, confrontados com os problemas recentes de muitas metrópoles mundiais, principalmente brasileiras: violência, pobreza, poluição, etc. A partir do dialogismo entre elementos plásticos, visuais e sonoros, e entre atores e espectadores, o espetáculo aborda também, de maneira subliminar, momentos históricos desencadeados a partir desses conflitos, como a revolução russa de 1917.

O eixo central da encenação multimediana é um labirinto transparente (fig. 3) que simbolicamente representa um espaço de difícil saída e abriga o Minotauro, monstro híbrido e devorador que se alimenta de suas vítimas. As diversas paredes feitas de telas finas, além de servirem à projeção de imagens e vídeos, permitem a visibilidade das cenas externas e internas. Os atores são vistos à distância, esfumaçados, como que cobertos por uma neblina. Ademais, esse labirinto/cenário desloca, cenicamente, a relação dos atores com a plateia, e em relação a ela mesma, pois, para acompanhar as evoluções cênicas, as ações das figuras dramáticas e algumas das projeções, os espectadores precisam caminhar pelos corredores. Assim, assumem vozes ativas diante do que é mostrado, podendo selecionar o que mais lhes convém, conforme os seus múltiplos pontos de vista, inclusive participando, de maneira performativa, da composição estética da montagem, ao assistirem e serem assistidos, tanto pelos outros espectadores quanto pelos atores e técnicos do espetáculo. Dentro do espaço não há cadeiras ou assentos, por isso, os espectadores podem ficar de pé, se sentarem no chão ou até mesmo se deitarem (fig. 4), visto que há uma cena que ocorre no alto do cenário, em passarelas, espécies de hanamichi − “Caminho das Flores” − do teatro Kabuki japonês, dispostas sobre o labirinto, que trazem Gueixas que flutuam sobre eles.

Antes de entrarem no labirinto e se depararem com os Minotauros, figuras síntese da morte que se alastra por todos os lados, nós, o público, passamos por uma espécie de sala ritual, em que devemos tirar os sapatos. Aliás, a morte nos é colocada a todo momento pela encenação: morrem as cerejeiras em flor; morrem, violentamente, adultos e crianças; morrem a natureza e as cidades.

Labirinto do Minotauro
Plateia no interior do labirinto
Plateia no interior do labirinto

Figs 3 e 4. Labirinto do Minotauro com hanamichi ao centro (parte alta) e plateia no interior do labirinto. Fotos de Guto Muniz e Marco Aurélio Prates, respectivamente. Fonte: Acervo do grupo.

O espetáculo não possui nenhum texto pronunciado pelos atores. Contudo, além das músicas, ouvem-se gritos, choros, implosões, passos e ruídos provocados pelo atrito entre diferentes objetos cênicos manipulados pelos atores, como facões. Em seu roteiro, que é dividido em três cenas, somente em momentos muito específicos, como a entrada de um boneco que representa Liubov, é notada a presença da voz tchekhoviana.

A primeira cena é intitulada “Uma viagem no tempo”: é o momento da entrada ritualística dos espectadores no labirinto e do corte das cerejeiras pelos Minotauros.  Lá dentro, perdidos ou conscientes dos seus lugares, os espectadores se tornam “performatives voices” (vozes performativas), espécies de “Teseus” que tecem as difíceis linhas diretivas da encenação. Confrontados com um cortejo fúnebre de Carpideiras, podem emprestar suas vozes para a composição de um grande coro de lamentações, que, por sua vez, é colocado em um diálogo empírico com o Antigo Testamento.

Os corpos e vozes dos atores duplicam e espelham, sistematicamente, as figuras cênicas dos Minotauros e das Carpideiras. Em todas as direções do labirinto, que é ampliado com o espelhamento, os espectadores, perdidos, são colocados diante de uma profusão de discursos − imagens, formas, cores e sons − que ocorrem de maneiras simultâneas, superpõem-se e não se anulam. Isso exige deles disposição para acompanhar o espetáculo, pois, uma carpideira que é vista aqui, também é vista acolá; um mesmo vídeo que é projetado de um lado do labirinto, é percebido na direção contrária; e, por fim, um mesmo som que o público ouve avançando de trás de suas costas é escutado desde a sua fronte.

Já a cena II é “O enigma do labirinto”. Como encontrar a saída em meio à multiplicidade de caminhos? Aqui, o público se depara com Liubov, bonecos brancos de manipulação direta (fig. 5), manipulados por dois atores vestidos de preto, mas que não escondem suas mãos e rostos, escancarando a teatralidade do jogo duplo do contato entre animadores e objeto animado. Liubov, personagem aristocrata de O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov, mesmo utilizando o Fio de Ariadne, perde-se em um labirinto de emoções e se vê obrigada a lutar com o Minotauro. Em um duelo de facões, muito próximo ao Maculelê brasileiro, Liubov/Ariadne derruba o mito e muda o curso de sua própria história. Mais uma vez, os espectadores são colocados diante de uma simultaneidade e duplicidade imagético-visual, dado que toda a Cena II ocorre em dois pontos distintos do labirinto.

Liubov e o Fio de Ariadne
Gueixas japonesas
Gueixas japonesas

Figs. 5 e 6. Liubov e o Fio de Ariadne e Gueixas japonesas. Fotos de Marco Aurélio Prates. Fonte: Acervo do grupo.

Por último, a Cena III: “No jardim das cerejeiras”. A transição entre a segunda e a terceira cena se dá com a passagem por um trecho central do labirinto que se encontrava interditado. Por meio de um portal de tecido, espaço liminar, a plateia adentra num mundo ainda desconhecido, adquirindo novas experiências sensoriais. Conduzidos por ruídos quase ensurdecedores de sinos de trens, os espectadores contemplarão um pé de cerejeiras brancas em flor. Descalços, pisoteando plásticos bolhas, como se amassassem uvas, mais uma vez participam da encenação, produzindo pequenos ruídos que remetem à chuva que rega o pequeno cerejal de Liubov. Além disso, paralelamente, são bombardeados por vídeos com cenas de implosões de prédios, que aludem à falência das metrópoles e reportam, poeticamente, aos estrondos de uma tempestade. Para fechar essa última cena, ocorre a entrada de Gueixas japonesas (fig. 6), que, segundo Ione, no programa do espetáculo, é um apelo estético contra a barbárie do mundo materialista. Ao som de uma interessante colagem musical, com temas orientais e do leste europeu, as Gueixas mascaradas, que surgem de todos os lados, desfilam lentamente pelos corredores do labirinto, rumando ao hanamichi localizado no alto do cenário.

 

Considerações finais

 

No Breve Histórico apresentado inicialmente observei a formação artística dos fundadores do G.O.M., cujas trajetórias constituem vozes fundamentais na construção da linguagem do grupo, assim como dos seus espetáculos. Somadas ao coro de discursos constituidores da cena multimediana e à linguagem multimídia com a qual o grupo trabalha, o Grupo Oficcina Multimédia constitui-se, como apontado por Maletta, como um grupo polifônico. Logo, conclui-se, a partir das questões apresentadas, que As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras também se caracteriza como um espetáculo polifônico. E essa característica pode ser estendida ao Bê-a-bá Brasil, da mesma forma que o hibridismo pode ser encontrado em ambos os trabalhos.

É importante observar que apesar de Maletta dizer que o teatro é uma arte polifônica por natureza, a polifonia só ocorre no teatro se se contar, desde o princípio dos processos criativos, com a presença de todos os discursos provenientes das múltiplas dimensões artísticas do fenômeno teatral. Isso quer dizer que nem todo espetáculo teatral é polifônico, pois algumas estéticas teatrais não contemplam em seus processos os diálogos necessários para se criar a polifonia.

Além do mais, faz-se mister notar a necessidade de separar, para melhor compreensão, as camadas e estruturas dos variados elementos que constituem a polifonia e o hibridismo de um espetáculo. Assim, um discurso não deve omitir o outro, uma voz não pode silenciar a outra e uma linguagem artística não se obriga a suplantar a seguinte. Além disso, a proposta polifônica do Multimédia, que claramente é notada nas duas encenações neste artigo analisadas, permite que as monofonias dialoguem, resguardem as suas individualidades e especificidades e que sejam colocadas lado a lado, constituindo vozes plenivalentes.

Quanto ao hibridismo e à mestiçagem em Bê-a-bá Brasil, percebemos o interesse de Ione de Medeiros em representar as culturas nacionais a partir de referências às nossas artes visuais (Abaporu e Parangolé), nossa literatura (Oswald de Andrade), nossa música (samba, ópera e um suposto rap indígena), nossos ritmos, etc., que se encontram em diálogo constante com formas artísticas internacionais, como com a pintura A Última Ceia, de Leonardo da Vinci − aludida por meio de uma imagem poética mestiça, na qual é apresentado um índio vestido com uma camisa da seleção brasileira de futebol. Esse espetáculo celebra também as múltiplas trocas de hábitos, crenças e imaginários ocorridas entre diferentes povos (como os europeus, indígenas e africanos) que se encontraram em solo brasileiro, conformando um país com um tipo de miscigenação étnico-cultural bastante peculiar.

Por último, é relevante considerar o lugar dos espectadores nos espetáculos do Multimédia. Por não possuir uma linguagem teatral pautada no drama, o público precisa sair de sua zona de conforto, assumindo vozes ativas diante do que é mostrado e, em alguns casos, como na obra inspirada em O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov, participar e colaborar na criação da estética teatral.

 

Referências bibliográficas

 

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Trad. de Paulo Bezerra. 3. ed.  RJ: Forense Universitária, 2002.

BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, l964.

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. 4. ed. 4. reimpr. SP: EDUSP, 2008.

GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. Trad. Rosa Freire d’Aguiar – SP: Companhia das Letras, 2001.

MALETTA, Ernani de Castro. A Formação do Ator para uma Atuação Polifônica: princípios e práticas. (Tese de Doutorado). Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. BH: Faculdade de Educação da UFMG, 2005.

MEDEIROS, Ione de. Grupo Oficcina Multimédia: 30 anos de integração das artes no teatro. BH: I.T. Medeiros, 2007.

SADIE, Stanley. The new Grove Dictionary of Music and Musicians. London: Macmillan Publishers Limited, 2001.

DVDs, Programas e Vídeos

 

AS ÚLTIMAS Flores do Jardim das Cerejeiras (DVD e Programa). Pesquisa de Campo do autor. BH: Grupo Oficcina Multimédia, 30 e 31 de maio de 2013.

BÊ-A-BÁ Brasil (Programa e Vídeo). Pesquisa de Campo do autor. BH: Grupo Oficcina Multimédia, 30 e 31 de maio de 2013.

Sites consultados:

 

http://oficcinamultimedia.com.br

http://vimeo.com/16248811 (Vídeo Bê-a-bá Brasil).

http://vimeo.com/28222083 (Vídeo As Últimas Flores do Jardim das Cerejeiras)

http://www.spescoladeteatro.org.br/enciclopedia/index.php/Grupo_Oficcina_Multim%C3%A9dia

http://www.spescoladeteatro.org.br/enciclopedia/index.php/Ione_de_Medeiros

—————————————————–

[1] “(…) music in more than one part, and the style in which all or several of the musical parts move to some extent independently. Polyphonos (‘many-voiced’) and polyphonia occur in ancient Greek without any connotations of musical technique. (…) forms of the adjective came into use in modern languages, designating both non-musical phenomena such as birdcalls, human speech and multiple echoes, and musical phenomena such as instrumental range and tonal variety, as well as the various tunes playable on an automatic musical device”.

“Até tu, Bruta?” estreia em 16 de março de 2013

IMG_20130222_192602
Até tu, Bruta? – Foto desfocada de Luciano Oliveira

Vem aí  “Até tu, Bruta?”, o primeiro “esquizoespetáculo” da [In]puros, Cia & Teatro. Patrocinado pela Carbel, a partir de benefício concedido pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Faremos 6 apresentações no auditório do SESC Tupinambás, em Belo Horizonte: Rua dos Tupinambás, 908 – Centro.

SÁBADOS: 16/03 e 23/03, às 20h
DOMINGOS: 17/03 e 24/03, às 19h

SEGUNDA: 18/03, às 20 h

QUARTA: 20/03, às 20 h

CLASSIFICAÇÃO: 16 anos

INGRESSOS NO LOCAL:  1kg de alimento não-perecível (1 hora antes do espetáculo)

O texto “Até tu, Bruta?”, que foi  elaborado a partir de uma criação coletiva entre o dramaturgista, atores e músicos da cia, possui três atos e doze cenas. Essa história perturbadora manifesta sentimentos fortes e pensamentos profundos. “Até tu, Bruta?” é uma montagem contemporânea de gênero misto (drama trágico-cômico) que conta a história de Maria Chiquitita, uma nordestina órfã e semianalfabeta residente em Belo Horizonte, que se apaixona por Alemão, homem rude, preconceituoso e vingativo oriundo do norte de Minas Gerais. Porém, o encontro de semelhanças, como um duplo refletido num espelho, mesmo que se dê nas diferenças (de origem, de cor, gostos, entendimento de mundo, etc.), a despeito das expectativas de Chiquitita, não gera um final feliz.

Maria Chiquitita é atendente de telemarketing (ela pede auxílio financeiro para ajudar idosos de um asilo) e trabalha com a debochada e vingativa Verônica (que vende planos funerários). Alemão, por sua vez, é cuidador de uma praça. Mas, conforme ele mesmo se intitula (empoderando-se), ao apresentar-se para sua futura namorada: “Sou o gerente estadual e nacional da limpeza urbana do Brasil”. Numa das tramas da peça Verônica liga para Alemão para vender um plano funerário, mesmo sem saber que se trata do namorado da colega de trabalho. Após um encontro para a assinatura do contrato, que se torna um deleite sexual, Alemão agride, violentamente, Verônica. Esta jura vingança. Ainda no enredo da peça observa-se Robhea, uma andrógena sexual esquizofrênica, cujo gênero (masculino e feminino) é difícil ser identificado. Rhobea também conhece Maria Chiquitita, e num universo lúdico-cômico, ao som de coco, baião e forró nordestino (que são tocados ao vivo, como boa parte das músicas do “esquizoespetáculo”), disputa o amor da feia e desengonçada Maria com o Alemão. Contudo, a Rhobea feminina é que se apaixona por ele, tornando-se mais uma concorrente da nordestina. Após um violento duelo entre Rhobea e Alemão, provocado por Verônica, que objetivava a morte desse último, quem acaba por ser derrotada é a própria Verônica. Quanto à Maria Chiquitita, após previsão de uma vida afortunada pela vidente e prostituta aposentada Madame Clecy (um boneco despedaçado de manipulação direta), acaba por se tornar estrela.

QUER SABER MAIS E SER PURIFICADO (A)? Vai lá no SESC conferir.

Informações sobre compra de ingressos e reservas:  31 3222.3923 (Herivelto, produtor), inpuros@gmail.com e inpurosciaeteatro.blogspot.com.br

FICHA TÉCNICA:

Texto: Criação Coletiva

Encenação/Dramaturgismo e Trilha Sonora: Luciano Oliveira
Assistente de Direção: Renata Silva
Elenco: Bén Johnson (Alemão)
Danilo França (Robhea)
Luciana Pires (Verônica)
Renata Silva (Maria Chiquitita)
Direção Musical/Preparação Corporal e Vocal: Nete Barros
Composição e Execução Musical: Nete Barros e Caio Ornelas
Cenografia e Figurino: William Rausch
Assistente de Figurino: Cláudia Fraguas
Maquiagem: Gabriela Dominguez
Costureira: Tayres Scatolin
Cenotécnico: José Geraldo Martins
Criação e Confecção de Boneco: Aline Midori
Direção de Manipulação: Sol Zofiro
Criação e Operação de Luz: Walter Parente
Técnico de Som: Coco (Alexandre Voss)
Criação Audiovisual: Ricardo Macêdo
Assessoria Jurídica: Marli Pires
Assessoria de Imprensa: Eric Colini
Produção Geral: Herivelto Campos

PATROCÍNIO:


Patrocinadora

APOIO:

BONSUCESSO – BANCO DE CRÉDITO

Espaço Cor(tição)

AMAS

INCENTIVO:

Incentivo

Incentivo

Vídeos e filmes nos quais atuei

Como havia vários vídeos em que participei – como ator, elenco de apoio, manipulador, etc. – espalhados na internet, resolvi juntar todos em um único lugar: aqui no meu blog. Ainda preciso encontrar alguns que estão perdidos. Assim que o fizer postarei neste post. Aí vão os links:

1- Como elenco de apoio em Liberdade Ainda que à Tardinha:

2- Como ator-manipulador do personagem Dentinho de DRACULINHA, O VAMPIRINHO:

3- Como cenógrafo da Campanha de Carnaval AMAS/PAIR 2012:

4- Como elenco de apoio em Paixão Segundo Ouro Preto (Rede Globo) com o Grupo Galpão:

5- Como elenco de apoio em “TSE – 10 anos da Urna Eletrônica”:

6- Como locutor e editor de Bumba-meu-boi da Floresta:

7- Como ator em vídeo-montagem do Grupo de Teatro da AMAS:

8- Como ator em Leitura Dramatizada de Check-up (Paulo Pontes):

9- Entrevistas:

A- Plano Aberto (TV UFOP):  

B-  Metaformose – Relatos: 

10- Equipe de organização e produção: La Traviata, Mercado Municipal de BH:

11-  Diretor e entrevistador em “Entrevista com ilustres moradores de Peneiras – Grupo de Teatro da AMAS”:

Liberdade Ainda que à Tardinha

Em 2002, quando cursava Direção Teatral na Universidade Federal de Ouro Preto, tive a oportunidade de trabalhar como ator no curta-metragem Liberdade Ainda que à Tardinha, dirigido pelo artista mineiro Luiz Guimarães de Castro.

A narrativa do filme, escrita por esse artista, se passa na Ouro Preto de 1971. Trata da transformação na vida de um rapaz, Gilberto, que convive com as ideias libertárias do grupo de teatro estadunidense ‘Living Theatre’, cujos atores, dentre eles Julian Beck e Judith Malina, foram presos pelo regime militar. Após grande comoção mundial, em que  um abaixo-assinado foi feito em protesto à prisão dos artistas, que obteve assinaturas de John LennonMarlon Brando e Bob Dylan, o grupo foi extraditado pelo governo brasileiro.

Foi uma grande honra atuar ao lado de Carla Marins, Danton Mello,
Roberto Bomtempo, Rodrigo Penna, Jokayne  Idelfonso, Gilberto Miranda, Maria Gladys e Lina Bianchini. É claro que não posso esquecer os meus amigos e colegas do curso de Artes Cênicas: Geuder Martins, Kátia Katita, Flaviano Silva, Ricardo Carvalho, Pollyana Lott, Jaqueline Dutra, Carlos Gontijo (o Montanha), ‎Bárbara Mello, Fabiola Buzim, Luciene Nogueira, Charles Gouvea, Joilson Santos, Marcelino Xibil Ramos, Waltair Júnior, Zuza, Luciana Curtiss, etc.

Vejam o filme na íntegra: 

Máscara Neutra

Máscara neutra
A atriz Sabrina Rauta experimentando sua máscara neutra. Foto de Luciano Oliveira

No último mês de agosto ministrei, na AMAS (Associação Municipal de Assistência Social), as oficinas Confecção de Máscara Neutra (20 h/a) e Interpretação com Máscara Neutra (20 h/a).

Fiz um videozinho amador desta última, a partir de uma máquina fotográfica. Veja em:

http://www.youtube.com/watch?v=dRDFMGhvfPo&list=UUuLeXTEGqJ8MYXZxfQnEG1w&index=2&feature=plcp

Essa semana terminamos também as oficinas de Confecção (de) e Interpretação (com) Máscaras Larvárias. Em breve postarei algumas fotos dos processos de criação.

Por fim, daqui a alguns dias iniciaremos a confecção de máscaras expressivas visando a criação de uma esquete a ser apresentada na VI AMAS Mostra de Arte e Cultura, cujo tema de 2012 é AMAS Mostra AMAS.

Um sonho de Cordel

Aos 5 de agosto de 2012, assisti ao espetáculo “Um Sonho de Cordel”, do Grupo de Teatro Macacos Bêbados – Teatro Universitário da UFMG. O mesmo ocorreu na Praça dos Fundadores (ou praça das cabeças), no Parque Municipal de Belo Horizonte.

O parque estava repleto de pessoas felizes, principalmente pais com suas crianças serelepes. E foi no intuito de atraí-las para a apresentação, que ocorreu um cortejo muito animado dos personagens pelos principais caminhos do verde e iluminado parque. Não senti o tempo passar, haja vista o clima gostoso que foi instaurado pela trupe. Mas acredito que a passeata  durou cerca de 40 minutos. Em hipótese nenhuma isto é um desmérito, muito pelo contrário.

Ao voltarmos à Praça dos Fundadores, uma plateia maior se formou. Nos dispusemos em círculo (teatro de arena). Aliás, esse tipo de disposição dita uma estética específica para um espetáculo teatral, em que os artistas devem jogar com todo o público que o cerca. Nesse sentido o trabalho foi um pouco falho! Talvez isso se deva à pouca idade dos atores e atrizes (lembro os leitores que são alunos do 1º Ano do Curso Técnico em Teatro do TU). Uma outra questão relevante para essa pequena falha foi a colocação de uma câmera filmadora na parte da frente das “cabeças dos fundadores”. O grupo estava gravando o trabalho para inscrevê-lo no FETO (Festival Estudantil de Teatro de BH). Isso condicionou a interpretação à frontalidade, ou seja, à estética do palco italiano. Assim, tomando o cordel como uma das mais importantes formas de manifestação cultural do Brasil, e que se passa junto ao povo, e que é feita pelo povo para o povo, faz-se importante uma reflexão sobre essa disposição frontal da cena. Ela foi proposital?

 Fernando Limoeiro, o criativo diretor do trabalho, possui um trabalho  muito forte e interessante com diversos tipos de manifestações artísticas populares, principalmente com o Mamulengo do nordeste brasileiro.  Isso contribuiu em muito para as cores, para a alegria, para o jeito descontraído e para o ritmo gostoso do espetáculo. Os cordéis que são narrados e interpretados pelo grupo teatral são uma delícia para os ouvidos. Mas, é necessário cuidado com as palavras difíceis e velozes dos cordéis. Em certos momentos, principalmente no início da apresentação, alguns atores (estou falando dos meninos) falaram muito baixo e de forma não inteligível. Atenção, garotada!

As músicas também são deliciosas e contagiantes. A partir de diversos instrumentos musicais, alguns deles improvisados (como a metade de uma garrafa pet), a trupe fazia nascer o ritmo, como num passe de mágica, à nossa frente. Isso é muito difícil, ainda mais para artistas jovens, por isso alguns atravessamentos que ocorreram no ritmo são mais que perdoados.

As maquiagens, os figurinos e os adereços são lindos! Ah, tem também um mamulengo incrível no espetáculo: seria fantástico se ele aparecesse um pouco mais, hein!

Bem, já falei o quanto o espetáculo foi contagiante. Contudo, vale a pena ressaltar a imensa alegria das crianças que o assistiram nessa linda manhã de domingo na capital mineira. Olhos brilhantes, mãozinhas inquietas, sorrisos sem dentes, perninhas que dançavam felizes e carinhas assombradas pelo medo (por causa do capeta e do boi bravo), constituíram o maior prêmio para os atores, atrizes e diretor do trabalho, além dos aplausos intermináveis da plateia. “E óia que vi um sinhó colocá 50 real num charpéu nu final da peça”.

Tenho certeza que “Um Sonho de Cordel” brilhará no FETO desse ano.

Luciano Oliveira

 

 

 

 

I Encontro dos Ex-Alunos do Curso de Artes Cênicas da UFOP.

Documentário realizado pela TV UFOP sobre o I Encontro dos Ex-Alunos do Departamento de Artes (Artes Cênicas) da UFOP, ocorrido dentro do Festival de Inverno/Fórum das Artes de Ouro Preto, de 2012. Falei sobre a importância da formação de Redes Humanas para o mercado de trabalho teatral. Está tudo muito bom no vídeo, exceto que me deram o crédito errado. Não sou professor universitário, mas sim diretor, ator, produtor e professor de teatro.

Site criado com WordPress.com.

Acima ↑