Fotos de Bárbara Tagliani da apresentação do dia 06/11/2018 – IV Festival Unir Arte e Cultura.
Quando ensinar se torna uma paixão!
Há quatro anos estou em Porto Velho ensinando Teatro na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). A cada dia que passa descubro novas técnicas e metodologias de ensino que me fazem aproximar afetivamente ainda mais dos meus alunos. Os aprendizados e trocas, em todos os sentidos, são constantes. Por vezes somos “desarmados” por aqueles que, teoricamente, seriam as partes frágeis da relação aluno-professor. Então, a fragilidade se inverte!
Neste semestre (2018/1) estão sendo muitas as surpresas. E a turma do primeiro período é uma delas. Falante, desconcentrada e ingênua são alguns dos adjetivos que acreditei caracterizar tal turma. Ledo engano! Tais características, hoje, terminada a disciplina Laboratório de Improvisação Teatral 1, mostram que tudo não passava de euforia, ânimo, alegria e vontade dos jovens estudantes de estarem cursando Teatro na UNIR. Quiçá a realização de um sonho!
Jovens? Nem tanto, mestre! Nas palavras de Dennis Weber, ele “era o tio da sala, a anciã, a idosa, como mais tarde me chamariam os colegas, hehehehe”. Mais velho que ele, somente eu. Esse aluno trouxe para turma a experiência profissional adquirida no Grupo de Teatro Wankabuki, de Vilhena, e também como jornalista do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), de Porto Velho. Porém, devido a “idade avançada”, ele sofreu um acidente quando ensaiava para uma prova prática da disciplina Expressão Corporal 1, ministrada pelo professor Luiz Lerro, fraturou um dos pés, e foi “cortado” de última hora da Cena Final da minha disciplina. Em ano de Copa do Mundo, querido Dennis, isso, infelizmente, não pode acontecer! Tamanha foi a tristeza dele, e da turma – e minha também, pois tive que substituí-lo na “curingagem” da cena de Teatro-Fórum que começou a surgir no seminário do grupo que ele participava, como veremos mais adiante, por meio das suas próprias palavras – que tive que propor um desafio a ele. Foi mais ou menos assim: “- Se você escrever um texto sobre o segundo seminário da minha disciplina e ele ficar a contento, o publico em meu blog em homenagem a você e à turma”. Desafio aceito pelo aluno e muito bem realizado. Sendo assim, cumpro a minha promessa.
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“Avaliação Final – Relatório sobre a apresentação do 2°Seminário da Disciplina
O tema escolhido para este seminário foi o Teatro do Oprimido de Augusto Boal. A turma foi dividida em três equipes que deveriam pesquisar sobre: 1) Arsenal de jogos teatrais; 2) Teatro-imagem; 3) Teatro-fórum. A data escolhida para a apresentação foi o dia 19 de abril. Os grupos deveriam apresentar as técnicas utilizadas em cada um dos métodos apresentados por Augusto Boal, destacados para esta segunda avaliação.
O primeiro grupo, composto por Flávia, Dalvan e Emerson, desenvolveu junto aos outros colegas de classe jogos teatrais que tiveram como objetivo aquecer os corpos dos jogadores, além de estimular a criatividade e a desinibição. Antes da aplicação dos jogos, os integrantes do grupo apresentaram uma pequena biografia do autor, destacando suas obras e contribuições para o ensino e pesquisa de teatro. Entre os jogos do arsenal de Boal estavam “Círculo Máximo e círculo mínimo”, “dividir o movimento” e “dança da maçã”.
O primeiro jogo consistia na formação de uma grande roda, em que os participantes deveriam, através das forças de seus braços, esticarem e se sustentarem através desta tensão, criando a imagem, que no meu ponto de vista, parecia uma flor desabrochada. Já o segundo jogo cobrava dos jogadores que os mesmos criassem um movimento que deveria ser replicado pelos demais jogadores. No terceiro jogo, duplas de jogadores deveriam dançar com uma maçã ligando os dois corpos, sem que as mãos tocassem a maçã, que no caso foi substituída por um balão.
O segundo grupo composto por Jonathan, Vinícius e Pandora ficou responsável por desenvolver os jogos propostos no Teatro-Imagem. Antes disso, os participantes da equipe explicaram as origens do método, além de realizarem uma apresentação modelo do Teatro-Imagem.
Após a parte teórica, os outros alunos da classe sortearam o tema “machismo”. Dois jogadores entraram em cena e ficaram imóveis como massas de modelar. Os demais jogadores, um de cada vez, entravam em cena e modelavam as duas massas com o intuito de transformá-las em uma representação “real” do que seria uma situação de machismo. Ao final, o personagem masculino apontava com autoritarismo para a personagem feminina, que varria o chão. Após esse primeiro momento, os jogadores deveriam transformar essa imagem “real” em uma imagem “ideal”. Nessa perspectiva, os participantes moldaram um casal apaixonado, sentado no chão e de mãos dadas. Percebi que os colegas da turma tiveram certa dificuldade para entender a proposta do jogo, fato que confirmei na segunda sessão do Teatro-Imagem.
O tema da segunda rodada foi “homofobia”. Em cena Rafael e Amanda, um representando o oprimido e o outro o opressor, respectivamente. Nessa nova situação, os jogadores moldadores demoraram a construir tanto a cena real quanto a ideal. Além disso, alguns desrespeitaram as regras do jogo, como a de fazer apenas um movimento nas massas. Na última sessão, todos os jogadores viraram massa e, ao comando dos representantes do grupo, construíram uma imagem, a partir da palavra “violência”.
Por fim, apresentamos nosso tema: o Teatro-fórum. O grupo, composto por Alexia, Amanda, Rafael e eu, se reuniu fisicamente três vezes para estudo e elaboração das propostas de atividades para o seminário. Lemos o livro “Arco-íris do desejo” de Augusto Boal, com o qual foi possível identificar as características do Teatro-Fórum. Além disso, pesquisamos artigos científicos na internet e vídeos com exemplos de cenas realizadas a partir do Teatro-Fórum. Com essa carga de material, construímos nosso resumo sobre o assunto para situar o restante dos colegas de classe durante nossa apresentação. No resumo destacamos as funções do Teatro-Fórum, a importância dos espect-atores e também do curinga, ressaltando a função social deste tipo de proposta e do seu poder transformador da realidade, uma vez que coloca a plateia em cena para resolver um problema.
Elaboramos também dois roteiros de cenas que poderiam ser abordadas na parte prática do seminário. Uma delas tinha como tema a “homofobia” e a outra “violência doméstica”. A escolha dos temas se deu por aproximação da realidade de muitos colegas de classe. Adorei essa parte do trabalho, pois amo contar histórias e esse momento exigiu muito da nossa criatividade: pensamos nas variantes que a história poderia ter. Segue a sinopse da primeira cena, intitulada “O que eu fiz para merecer isto?”:
“No ano de 2020, após elegerem Temenaro como presidente do Brasil, inicia-se uma caçada aos homossexuais, bissexuais e todos que fogem aos padrões heteronormativos. Muitas famílias são estimuladas, através de recompensas, a entregarem familiares que apresentem condutas suspeitas. Nossa cena se passa em uma casa de família onde uma mãe telefona secretamente para a polícia, enquanto o filho está na sala lendo um livro.”
A partir desta sinopse definimos que Amanda seria o filho gay, Alexia seria a mãe, Rafael seria o policial e eu seria o curinga, aquele que estimula a plateia a entrar em cena, propõe novos caminhos para a narrativa e estabelece algumas regras no jogo.
Na outra cena, intitulada “O segredo dos seus olhos”, chegamos à seguinte sinopse:
Um casal discute por ciúmes. O namorado expulsa Flávia de casa e a jovem liga para a amiga Pandora para conversar sobre o ocorrido. As amigas se encontram em uma praça e são seguidas por Jonatan. O namorado começa a discutir com as duas ameaçando bater nas mulheres.
Os papéis foram distribuídos da seguinte forma: Alexia faria a namorada, Amanda seria a amiga Pandora, Rafael seria o curinga e eu interpretaria o namorado agressor.
Repassamos as cenas algumas vezes até o ponto de virada das tramas e seguimos para nossa apresentação. Conseguimos desenvolver somente a primeira proposta, visto que investigamos várias maneiras de intervir na trama. Dos alunos que estavam na plateia, somente Flávia, Emerson e Vinícius, entraram em cena como espect-atores.
Os demais não reagiram às opressões apresentadas em cena. Flávia ocupou o lugar do policial, apresentando um agente mais humano, que considerou como louca a mãe que estava delatando o filho. Já Emerson ocupou o lugar do filho, e apresentou um jovem decidido sobre sua sexualidade, interrogando a mãe sobre sua capacidade de não sentir compaixão pelo próprio filho. Vinícius entrou em cena em duas ocasiões: uma como filho revoltado e assumido e a outra como mãe conciliadora.
Percebendo que a trama já não estava andando, entrei em cena e apresentei uma nova versão do personagem “filho” que, desta vez, questionou as sexualidades da mãe e do policial, saindo da condição de oprimido para opressor. A partir desses novos elementos narrativos foi possível se chegar a um acordo, com a mãe dispensando o policial e tendo uma conversa mais sincera com o filho.
Durante o desenrolar da cena, percebi muita tensão na plateia. Alguns dos colegas estavam até emocionados, pois provavelmente viveram ou presenciaram a opressão representada. No círculo de avaliação do seminário perguntei para Pandora e Jonathan porque eles não entraram em cena. Pandora disse que ficou sem reação diante do que estava vendo. Já Jonathan disse que aquela realidade apresentada não tinha relação com o seu cotidiano. Mais tarde Emerson veio me confidenciar que a história mexeu muito com ele, por ter passado situação semelhante em casa.
Posso afirmar que me senti confortável na condição de curinga, mas o fato da plateia interagir pouco me deixou inseguro. Estar em cena foi desafiador, mas ao mesmo tempo, revigorante. Virar o jogo, mostrar outros caminhos para a narrativa sempre é estimulante. Uma experiência que vou guardar para o resto da vida!” (Dennis Weberton Vendruscolo Gonçalves).
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Como não se apaixonar pelos alunos quando eles nos surpreendem? Quando ensinar se torna uma paixão, a saudade da família, dos amigos e de Minas Gerais machuca menos!
A seguir, apresento um trechinho do vídeo do aquecimento para a Cena Final (Teatro-Fórum), bem como fotos dessa cena, da qual o aluno Dennis não pode participar por motivo de afastamento médico:
Fotos e vídeos de Junior Lopes.
Haja feijoada pra tanta indigestão! Dança-teatro em Porto Velho
Ontem, 23 de novembro, no Teatro 1 do SESC Esplanada de Porto Velho, iniciou-se a Mostra de Danças SESC 2017.
Após três apresentações infanto-juvenis, pelas quais os pais quase sofreram um treco de tanto gritar e aplaudir, eis que “insurge” uma coisa que “destoou” completamente do que até naquele momento acontecera.
Assim perguntou uma criança sentada numa poltrona atrás da minha:
– “Papai, o que está acontecendo?”.
– “Eles estão passando mal!”, explicou ironicamente o pai.
– “Por que, papai?”.
– “Porque eles comeram muita feijoada antes da apresentação!”.
– “Entendi!”, respondeu a inquieta menina.
Os atores-dançarinos, que se vestiam tão “estranhamente” (“muitos deles com trajes árabes”, disse uma espectadora mal humorada sentada ao meu lado), e que dançavam e “teatravam” músicas ainda mais esquisitas – “dissonantes”, disse-me o professor Dr. Luiz Lerro e coordenador do Curso de Extensão Dança-Teatro -, passavam mal no palco de tanto comerem feijoada de paixão, de tanto deglutirem couve de tesão e de tanto ingerirem coca-cola (ou cachaça?) do alabão! (Esta rima pobre e sem sentido é proposital, pois não encontrei nenhuma palavra boa que rime com tesão e paixão e que expresse adequadamente o meu sentimento diante de tanta hipocrisia e ignorância!). Continuando: “estrebuchando” ali no chão, sob os olhares medievais de boa parte da plateia atônita, um grupo de pessoas completamente heterogêneo (estudantes de teatro, bailarinos, bailarinas, homens e mulheres comuns, heterossexuais, homossexuais, jovens, idosos, etc.) entregavam-se de corpo e alma à tão misteriosa (para uma parte expressiva do público ali presente, quiçá para o público geral de Porto Velho!) Dança-Teatro.
– “O que está acontecendo agora, papai?”, pergunta novamente a criança.
– “Eles estão saindo do palco!”, responde o pai.
– “Por quê”?
– “Para tomar remédio”, finaliza la cu nar mente o pai que não tinha mais nada para passar para a sua pobre criança.
E assim o Temer continua no poder!
Rondônia: um Estado de Delícias Culinárias
“Rondônia: um Estado de Delícias Culinárias” trata-se de um documentário de cinco minutos produzido por Luciano Oliveira e Júnior Lopes (professores do Curso de Licenciatura em Teatro da UNIR) e Ivan Souza (publicitário, jornalista e comunicador social de Porto Velho), com participação de discentes do mencionado curso, bem como de artistas e de pessoas da comunidade portovelhense, para ser exibido na Feira Cultural Brasil & Estados Unidos: the best of Brazil and USA, ocorrida em Framingham, Massachusetts, entre os dias 02 e 06 de novembro de 2017. Ele foi exibido também no III Festival UNIR Arte e Cultura, em Porto Velho. Por meio da comicidade e de improvisações dos atores, conta a história de Cassandra Baby, uma mulher de Guajará Mirim, cidade do interior de Rondônia, que vem para a capital em busca de ingredientes para preparar um “banquete” para seu “boy”, um pretendente amoroso italiano que conhecera em um aplicativo de relacionamentos. Cassandra Baby é uma personagem do espetáculo teatral “Cassandra, BR-trans-amazônica”, montado pelo ator Júnior Lopes, e estreado em agosto deste ano.
– Direção Geral e Cinegrafista: Ivan Souza
– Roteiro e direção de elenco: Luciano Oliveira
– Atuação: Junior Lopes
– Elenco de apoio: Ádamo Teixeira, Jamile Soares, Stephanie Caroline, Gabriel Corvalan, Jaqueline Luquesi, Sheila Souza, Lia Assunção, Guilherme Ferreira, Flaw Naje e Verônica Brasil
– Figurino: Junior Lopes
– Cabelo e maquiagem: Jaqueline Luquesi
– Assistente de maquiagem: Sheila Souza
– Edição (tradução de legenda): Verônica Brasil
– Edição de Imagens: Jéferson Dino
– Produção: Flaw Naje
– Apoio Técnico e Assessoria de Imprensa: Emanuel Jadir Siqueira
Agradecimentos: Ronildo Chaves (Kamilly Panificadora e Confeitaria); Paky’Op (Laboratório de Pesquisa em Teatro e Transculturalidade – UNIR); Luciano Pinheiro e Vanderlei Júnior (pela liberação da música Pra Porto Velho Eu Vou); Ulisses Ferreira (bebezinho); Antonha Cristina Fontinele (Barraca da Cristina); Sr. Nilson (O Rei do Açaí); Sr. Severino; Dona Mimozete; Reinaldo Ribeiro; Cleomar Mendonça e Jonisson (Barraca Rei da Goma); Dona Francisca; Dona Izabel Araújo; Rodrigo Anconi; Denilson; Eberson e Vanessa Cristina (Barraca da Cris).
APOIO: Kamilly Panificadora e Confeitaria
Música: Pra Porto Velho Eu Vou! (Composição, Letra e Música: Luciano Pinheiro e Vanderlei Júnior)
Crônicas de um festival
Durante os dias 21 e 27 de outubro de 2017 aconteceu, em Porto Velho, Cacoal, Rolim de Moura, Guajará-Mirim, Ji-Paraná e Vilhena o III Festival Unir Arte e Cultura da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Tal festival é uma ação da Pró-Reitoria de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis dessa universidade e tem como coordenadora geral a Pró-Reitora Marcelle Regina Pereira. Eu sou o Coordenador do Eixo Circo/Teatro/Dança de Porto Velho. Além disso, enquanto artista e escritor/pesquisador, contribuí com diversas atividades culturais. Gostaria, neste post, de relatar e analisar criticamente algumas delas.
Para a abertura do evento, ocorrida no Teatro Guaporé, com a preciosa contribuição do iluminador Edmar Leite e do Coordenador de Eixo Música Márcio dos Anjos, o trabalho realizado foi a direção de palco dos shows e concertos musicais apresentados. Das 08:00 às 22:00 hs concentramos nossos esforços para que a iluminação e a entrada e saída de artistas do palco fosse harmoniosa e precisa. Contudo, a primeira apresentação artística do festival aconteceu no Saguão do Teatro. Trata-se de “Das Dores”, teatro performativo desenvolvido pela atriz/performer Taiane Sales, sob minha direção artística e orientação acadêmica, pois esse espetáculo é o Trabalho de Conclusão de Curso da aluna defendido junto ao Curso de Licenciatura em Teatro da UNIR. Concentrada e emocionada, a aluna-atriz realizou uma das suas melhores apresentações. O público se emocionou com a história de “Das Dores”, que figura e apresenta variados tipos de violências pelas quais passam as mulheres.

Já no dia seguinte, domingo, além de “Das Dores”, foram apresentadas ainda, no CEU (Centro de Artes e Esportes Unificados) Zona Leste, a performance “Pela Pele da Mulher”, da atriz e performer Jaqueline Luquesi, sob direção de Taiane Sales, e “O Poder do Mosquito na Sociedade”. Este último é um mini espetáculo de Lambe-Lambe, voltado para crianças e adultos, de Vavá de Castro (Tia Vavá dos Bonecos), apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso, sob minha orientação, para o encerramento do Curso de Teatro da UNIR. O público para essas apresentações foi pequeno, mas importante, pois sempre digo aos meus alunos que a quantidade de espectadores não pode influenciar na qualidade da execução artística da obra apresentada. E foi isto que aconteceu: tanto Taiane como Jaqueline e Vavá se entregaram de corpo e alma ao seu público. Aliás, aproveito o momento para agradecer a todos os monitores que acompanharam as atividades do dia, em especial a Edmar Leite (que cuidou, sozinho, da iluminação!), Victor, Ádamo Teixeira e Stéphanie Santos. Um muito obrigado também ao Jacim, coordenador do CEU, que, juntamente com toda a equipe, nos recebeu com muito carinho e profissionalismo.


Ainda no domingo, porém, no período noturno, realizei o lançamento de dois livros no SESC Esplanada: “Representações Culturais no Giramundo Teatro de Bonecos” e “Eid Ribeiro e o Armatrux em Processo: o objeto flutuante entre a poética e a estética teatral”. O primeiro é resultante da minha pesquisa de mestrado. Já o segundo da minha pesquisa de doutorado. Ambas realizadas no Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob orientação de José Ronaldo Faleiro (e coorientação de Vera Colaço) e Brígida Miranda (e coorientação de Wagner Cintra), respectivamente.
Saindo um pouquinho do Eixo Artes Cênicas, e adentrando o Eixo Audiovisual, na segunda-feira, 23/10/17, foi exibido o documentário “Rondônia: um Estado de Delícias Culinárias”. Para este trabalho escrevi o roteiro e fiz a direção de atuação. A direção geral foi de Ivan Souza. Protagonizando o documentário encontra-se Cassandra, personagem do espetáculo “Cassandra, BR-trans-amazônica”, interpretada pelo ator Junior Lopes. Muitos alunos do Curso de Licenciatura em Teatro da UNIR participaram como elenco de apoio. Enfim, trata-se do meu primeiro documentário enquanto roteirista e diretor. Foi muito prazeroso participar do processo de gravação desse trabalho, que será exibido também nos Estados Unidos, em Framingham, dentro da programação da “Feira Cultural Brasil & Estados Unidos: the Best of Brazil and USA”.

Voltando às Artes Cênicas, na terça-feira, 24/10/17, na Sala do Piano da UNIR Centro, aconteceram três apresentações: A Velhinha que Dava Nome às Coisas, com encenação de Vavá de Castro e atuação de Téo Nascimento; La, espetáculo de dança contemporânea do Coletivo Aurora; e um Ensaio Aberto de “Inimigos do Povo”, da Trupe dos Conspiradores, sob minha encenação. O primeiro trabalho, uma cena curta, criado nas disciplinas de encenação do Curso de Teatro da UNIR, das quais sou professor, tem ganhado asas e voado lindamente. A encenação de Vavá de Castro está cada vez mais madura e a atuação de Teo Nascimento ainda mais delicada e humana. A boa notícia é que as duas artistas resolveram transformar a cena curta em um espetáculo e agraciar o público de Porto Velho, e quiçá o de Rondônia e do Brasil, com reflexões acerca da terceira idade, dentre outras temáticas.
Teo Nascimento em A Velhinha que dava nome às coisas. Encenação: Vavá de Castro. Foto sem referência a autoria.
La é um interessantíssimo espetáculo de dança contemporânea em processo de criação. O Coletivo Aurora (de Porto Velho, já que existem outros de mesmo nome espalhados pelo Brasil), que tem entre os seus membros as dançarinas Andréa Melo, Aline Monteiro e Rebeca Moriae, coloca em cena corpos femininos decididos, independentes, belos e resistentes. A temática feminista dá o tom (preto, branco e vermelho) do espetáculo!
O último trabalho apresentado na terça-feira foi o ensaio aberto de Inimigos do Povo, da Trupe dos Conspiradores. Como o espetáculo de dança La, esse espetáculo teatral também está em processo de gestação e conta com a contribuição de diversos artistas de Porto Velho. A saber:
Encenação e dramaturgismo – Luciano Oliveira
Assistência de Encenação – Sheila Souza
Direção e produção de vídeo – Ivan Souza
Cenografia – Elcias Villar
Indumentária – Selma Pavanelli
Produção – Flaw Naje
Iluminação – Edmar Leite
Preparação Corporal – Luiz Lerro
Diagramação: Leandro Almeida
Elenco: Ádamo Teixeira, Andrelina Lúcia de Paiva, Enderson Vasconcelos, Jamile Pereira Soares, Stephanie Dantas e Vavá de Castro.
A Trupe dos Conspiradores está montando, há oito meses, Inimigos do Povo, espetáculo de estética contemporânea livremente inspirado na obra Um Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, que trata do conflito existente entre o indivíduo, o Dr. Stockmann, e a coletividade, a população de uma pequena cidade-balneário da Noruega, que transforma o único médico local em um inimigo do povo. Isso por acreditar que as águas que serviam os banhos públicos, fonte de riqueza para toda a cidade, estavam contaminadas. O médico se sente na obrigação de propagar a verdade. Todavia, a sua denúncia, a ser publicada em forma de carta no “Jornal A Voz do Povo”, poderá fechar o balneário por dois anos. O lucro da população com o turismo, principalmente o dos poderosos, estaria comprometido. Porém, não denunciar o fato vai contra as suas aspirações. A poluição das águas é uma metáfora para denunciar a sujeira na estrutura social daquela cidade. A teimosia do Dr. em fazer triunfar a verdade faz dele uma pessoa não grata, ainda mais após dizer que os valores da cidade estão amparados na mentira e de afirmar que o povo, ao contrário do que diz o senso comum, não tem a razão. Ele se torna um inimigo do povo, vítima da maioria e da unanimidade.
A montagem que propomos, além das temáticas notadas no texto de Ibsen, desenha um paralelo com a atual situação político-econômico-social brasileira. De modo parecido ao que pensava Brecht, teatrólogo alemão, cremos que o teatro diverte e faz o espectador refletir, criticar e mudar a realidade social da qual integra. Nesse sentido, o teatro se faz urgente e necessário!
Na quarta-feira, 25/10, “O Poder do Mosquito na Sociedade”, de Vavá de Castro, foi apresentado na Laio Escola de Música (Zona Sul da capital). E, no dia seguinte, se não fosse a agressividade e grosseria de um sujeito mal educado, que expulsou todos os artistas e o público que estava no local, baixando, antes do horário, as portas metálicas do mercado, o Teatro Lambe-Lambe de Tia Vavá dos Bonecos também aconteceria no Mercado Cultural.
Por fim, e não menos importante, uma apresentação surpresa, na quarta-feira, da performance/instalação “Quem?”, encenada por Andrelina Paiva e performada por Sheila Souza, no Museu da Memória Rondoniense. Pelo fato do trabalho ter agradado tanto à coordenação do Museu, em especial à Ednair Rodrigues (a quem muito agradecemos!), fomos convidados a apresentar mais duas vezes lá: na quinta e sexta-feira, dias 26 e 27 de outubro. Uma plateia escolar de adolescentes animou, no último dia, a apresentação da intrigante “Quem?”.
Eid Ribeiro e o Armatrux em Processo: o objeto flutuante entre a poética e a estética teatral

No dia 31 de julho de 2017 saiu o meu segundo livro, fruto da minha pesquisa de doutorado realizada ao longo de quase cinco anos em distintas universidades brasileiras: Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na primeira universidade foi onde cursei a maior parte dos créditos e fui orientado brilhantemente pela professora Dra. Brígida de Miranda. Na UNESP cursei uma disciplina especial com o prof. Dr. Wagner Cintra, que se tornou meu coorientador e muito contribuiu para a minha pesquisa. Já na USP e na UFMG cursei outras duas disciplinas especiais, uma em cada universidade.
Meu objetivo inicial, ao ingressar no doutorado, era pesquisar o lugar dos objetos cênicos na poética teatral de três importantes encenadores mineiros: Eid Ribeiro, Kalluh Araújo e Ione de Medeiros. E assim foi até a qualificação de dois capítulos da tese. Contudo, devido à necessidade de recortes, e de acordo com apontamentos da banca, foi preciso cortar dois encenadores. Daí, optei por dar sequência às investigações com apenas Eid Ribeiro. Os espetáculos escolhidos vieram de uma trilogia montada com o Grupo de Teatro Armatrux: De Banda pra Lua, No Pirex e Thácht. A análise de cada um desses espetáculos constituiu um capítulo da tese: o segundo, o terceiro e o quarto, respectivamente. O primeiro capítulo ficou para discussões de caráter mais teóricas, em que analisei os conceitos de poética e de estética teatral e discorri sobre uma categoria ampliada de objetos cênicos. A partir desta cheguei a quatorze subcategorias dos objetos como, por exemplo, objeto-objeto, objeto-antropomórfico, objeto-faltante, etc. Por sua vez, na introdução, tracei um pequeno histórico da carreira de Eid Ribeiro e também do Armatrux. O livro, que foi lançado pela Editora Scienza, obedece exatamente a essa divisão. O que o diferencia da tese é uma apresentação redigida pelo prof. Dr. Rogério Santos de Oliveira, da Universidade Federal de Ouro Preto, e a ausência dos anexos.
Com o livro almejo alcançar o público da graduação, mais especificamente estudantes de cursos de teatro e artes cênicas. Contudo, pela simplicidade da linguagem, e dadas as especificidades da cena ribeiriana junto ao Armatrux, creio que a obra se presta também para artistas e estudantes de diversas linguagens artísticas: teatro, teatro de animação, cinema, cinema de animação, etc.
Enfim, trata-se de um livro de artista interativo. A partir de códigos de barra constantes ao longo de todo o trabalho, o leitor pode acessar, por meio de um leitor de QR Code instalado em celular ou tablet, vídeos e áudios citados nas análises. A obra pode ser adquirida no site da Editora Scienza:
http://www.editorascienza.iluria.com/pd-4afc56-eid-ribeiro-e-o-armatrux-em-processo.html?ct=&p=1&s=1
Espetáculo “As Mulheres do Aluá” repaginado e amadurecido
Personagens de Mulheres do Aluá – Fotos de Leonardo Valério
Há quase três anos, próximo à data da minha chegada em Porto Velho, ocasião em que assumi o cargo de professor do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia, tive a possibilidade de assistir ao espetáculo “As Mulheres do Aluá”, do Grupo Imaginário.
Lembro-me que ele tinha estreado fazia pouco tempo. Talvez eu tenha assistido à terceira ou quarta apresentação ocorrida no Teatro 1 do Sesc Esplanada. Mas não tenho certeza disso!
Muito bem, no frescor da estreia, recordo-me da potência estética do espetáculo, principalmente na visualidade (cenário, figurino, iluminação, maquiagem e penteado) e na trilha sonora. O Teatro 1 do SESC me pareceu muitíssimo aconchegante e propício ao desenvolvimento do realismo a que se propôs a direção do espetáculo, competentemente realizada por Chicão Santos.
O elenco da época contava com o delicioso trabalho de Zaine Diniz, Agrael Pereira, Jaqueline Luquesi e Amanara Brandão. A primeira atriz, bastante experiente, é uma das fundadoras do grupo, ao lado do esposo Chicão Santos. Já Agrael era aluna do curso de Teatro da UNIR e Jaqueline postulava ser discente desse curso, o que, mais tarde, se concretizou. Amanara Brandão, a caçula do grupo, almejava entrar no Curso de Artes Visuais da federal. Recordo-me que eu, Adailtom Alves e Alexandre Falcão, também professores de teatro na Unir, confabulávamos sobre a importância de convencê-la a bandear-se para o teatro. E isso, realmente, aconteceu.
No frescor e adrenalina da estreia, “As Mulheres do Aluá” demonstrou-se vibrante e fundamental na discussão dos papeis das mulheres na construção da cidade de Porto Velho, nos primeiros anos do século passado.
Depois de quase três anos pude assistir novamente, no último fim de semana, a esse agradável espetáculo. Mas agora com uma nova configuração espacial, teatro de arena, e com uma nova integrante, Flávia Diniz, que substituiu Jaqueline Luquesi que se licenciou do grupo para trazer à luz o pequeno Ulisses.
Entre uma e outra apresentação que assisti há ganhos e perdas. Mais ganhos, na verdade, devido a passagem do tempo e ao amadurecimento das atrizes. Como professor de duas integrantes e de uma ex-integrante do grupo, convém, didaticamente, analisá-las. Ainda mais em se tratando de alunas das disciplinas de Improvisação, Interpretação e Encenação Teatral. Nesta última, por exemplo, estamos operando com as categorias poética e estética. Grosso modo, a poética está ligada ao fazer, com os modos de produção de um espetáculo. Já a estética relaciona-se mais com a recepção (sensorial, intelectual, etc.), por parte do público, dos múltiplos elementos de uma encenação.
O primeiro ganho refere-se à experimentação do espetáculo em uma configuração de arena. Ele tinha sido concebido, inicialmente, para palco italiano. Com a apresentação ocorrida neste último sábado ficou claro que “As Mulheres do Aluá” pode acontecer tanto em palco italiano, quanto em semi-arena e até mesmo em arena (desde que em espaço fechado). Nesse sentido, o espetáculo é dinâmico. Porém, é preciso atenção das atrizes e do diretor em relação às especificidades das diferentes configurações espaciais pois, com a aproximação do público da cena por meio da arena, como a ocorrida no Tapiri, que é um espaço intimista, a quarta parede deixa de existir e realça ainda mais os elementos materiais e visuais da encenação. E as fragilidades ficam mais evidentes, como algumas falhas interpretativas, do mesmo modo que as qualidades saltam aos olhos, como a potência cenográfica. Contudo, neste primeiro ganho também há perdas, principalmente na iluminação, que é um dos pontos fortes do trabalho apresentado no SESC. O Imaginário ainda não conseguiu resolver os problemas técnicos do Tapiri no que tange aos equipamentos de luz e isso prejudicou a última apresentação.
Outro ponto a ser observado no âmbito desse novo espaço, mais especificamente sobre a apresentação do sábado, diz respeito à energia das atrizes. Não importa o número de espectadores, mas o elenco não pode deixar a peteca cair. Constantin Stanislávski, notável encenador pedagogo russo, dizia aos seus alunos sobre a importância de sempre se manter viva a energia de um espetáculo. Para ele, os atores precisavam constantemente trabalhar suas energias e emoções para que o espetáculo fosse sempre novo, independentemente se se tratasse da milésima ou da primeira apresentação. Nesse ínterim, o fazer e o descobrir deve ser diário. E tais descobertas, o novo, deve alimentar o velho.
Ainda em se tratando do visual, bem como das ações físicas e vocais das atrizes, há perdas no espetáculo atual. Uma delas pode ser notada na composição exterior da personagem “bruxa”, interpretada por Amanara Brandão. O penteado original, da estreia, é mais bonito e compõe melhor com a realidade psicológica da personagem. Porém, a atriz cortou os cabelos. Já nas ações físicas, as maiores questões encontram-se na personagem “cigana”, interpretada por Flávia Diniz. Uma substituição é sempre muito difícil porque, geralmente, quem cria a personagem primeiro dá a ela características conforme suas vivências e experiências. Jaqueline Luquesi, que interpretava inicialmente a “cigana”, conhece danças folclóricas e movimentos do flamenco, como os que foram utilizados na elaboração coreográfica dessa personagem. Ademais, fala o espanhol, pois nasceu em Guajará Mirim, cidade rondoniense localizada na fronteira entre Brasil e Bolívia. Importa observar que a “cigana” é uma espanhola que veio trabalhar em Porto Velho na época da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Logo, no contexto da encenação realista do grupo O Imaginário, a “cigana” fala o espanhol fluentemente e conhece bem a dança flamenca. Por mais que se trate de teatro, uma arte ficcional por natureza, a verossimilhança pode gerar no espectador o processo de identificação com a personagem (ainda mais no Brasil, império das telenovelas realistas!). Desta feita, um espanhol não tão bem articulado pode gerar um ruído, assim como a não execução precisa de determinados passos do flamenco. A sugestão que dou para Flávia Diniz, que carinhosamente chamo de Flavinha, atriz jovem com um futuro brilhante no teatro e no circo, é que busque a sua própria “cigana” a partir das experiências pelas quais passou.
No tocante às ações vocais, em determinadas passagens do espetáculo as falas ficam monótonas, no sentido de que apresentam continuamente o mesmo tom e que se repetem invariavelmente. Por isso, é preciso encontrar novas modulações, ritmos e coloridos vocais para as personagens a fim de valorizar ainda mais o excelente texto de Euler Lopes Teles. Por fim, as cantigas executadas ao vivo são muito bonitas e corroboram bastante para a paisagem sonora do espetáculo.
Para concluir, faz-se mister notar que o trabalho de criticar um espetáculo de teatro, assim como os artistas nele envolvidos, é muito delicado e difícil, ainda mais quando o crítico é tão próximo (amigo e professor) dos integrantes do grupo. Venho trabalhando com meus alunos, e em mim mesmo, a importância da crítica na construção do aprendizado da linguagem teatral, bem como enquanto ferramenta de reflexão estética sobre o espetáculo ou grupo ao qual ela se direciona. Desse modo, uma crítica configura-se como um olhar recortado ou ampliado, dos muitos olhares possíveis, de um dado fenômeno artístico realizado por determinado profissional. E ela varia de olho para olho. E como dizia o professor de Metodologia da Pesquisa Milton de Andrade, do Programa de Pós-graduação em Teatro da UDESC, a respeito da escrita e da pesquisa acadêmica, é preciso que se troquem os óculos constantemente. Isso serve bem para a crítica teatral!
A Dança Quilombola do Imaginário
“A dança se faz não apenas dançando, mas também pensando e sentindo: dançar é estar inteiro” (Klauss Vianna)

A dança quilombola do Imaginário, grupo de teatro de Porto Velho, ainda continua a pensar, sentir e dançar por inteiro; mesmo após o encerramento do projeto “Quilombo, Residência Artística Flutuante pelas águas do Vale do Guaporé, no Estado de Rondônia – Amazônia”, selecionado e agraciado pelo Prêmio Funarte Klauss Vianna de dança de 2015.
Em tal projeto, iniciado em agosto de 2016, O Imaginário realizou “imersões, pesquisas, mapeamento e intercâmbios ao longo do Vale do Guaporé” e um Encontro Cultural, no TAPIRI, sede do grupo em Porto Velho, nos dias 17, 18 e 19 de março. Nestes foi realizada uma belíssima exposição fotográfica intitulada “Uma viagem pelo Vale do Guaporé”, exibidos a vídeodança GuariterêBenguela e o documentário Quilombolas: Veias Negras do Guaporé, além de realização de rodas de conversa e uma noite de Rasqueado, dança típica pesquisada e bailada nas pesquisas junto aos quilombos. Faz-se mister notar também os deliciosos encontros culinários entre os convidados quilombolas e o público bastante diverso que frequentou o encontro.
Como convidado pude sentir bater nos sentidos os diversos tipos de danças apresentados pelo projeto. Pude constatar na exposição fotográfica, muito belamente disposta no Tapiri, que as imagens, mesmo que imóveis, também dançam. E bailam num duplo sentido: na forma que estão organizadas no espaço (seja individual e/ou coletivamente) e nas imagens que são representadas em cada fotografia. Nas figuras, o dançar congelado em cada movimento nos remete às danças dos deslocamentos dos membros nos atos de trabalho outrora realizado, aos gestos do lazer experimentado por cada indivíduo, às expressões dos sentimentos, às mudanças das águas dos rios e ao deslizar dos barcos sobre essas sagradas substâncias da mãe natureza.
Como expectador pude enxergar com os ouvidos, ouvir com os olhos, cheirar com o paladar – cuja língua em roda-viva age gulosamente na feijoada, na vaca atolada, na caldeirada de peixe, no tambaqui frito e na paçoca (de carne no pilão) – e assistir com os corações (são dois, pois meu amor estava ao meu lado) ao imprescindível documentário “Quilombolas: veias negras do Guaporé”, dirigido competentemente por Chicão Santos, e com belas fotografias de Raíssa Dourado, e à apaixonante videodança GuariterêBenguela, também dirigido por Chicão e com coordenação de dança de Andrea Melo e Berenice Simão. Nestes as danças se multiplicam, tal qual peixes em piracema. Contando o bailado da câmera (que pode ser lida como o piscar dos olhos do diretor) e os “fades” da edição, realizada por Michele Saraiva, cada movimento dessa piracema – composta por gestos de todos os tamanhos – comprova a tese de que a dança não se faz apenas dançando. Depoimentos de quilombolas como a da Dona Maria Waldelice (Vovozona) e de Antônia Janira Silvaterra, dentre tantos outros, resgatam as tradições culturais dos antepassados escravizados e daqueles que agora são livres, mas que correm riscos de perder suas tradições e seus lugares de vida por motivo de estratégias políticas mal articuladas e de PECs (Propostas de Emenda Constitucional), como a PEC 215, que ameaçam o imaginário e a existência de comunidades quilombolas e indígenas. A “coreografia” de Mafalda da Silva Gomes descendo o rio depois de muitos anos é uma das cenas mais emocionantes do documentário. Comovente também é a videodança de Elba Calazan, que baila banhos de rio, pesca de pescador, as plantações de mandiocas do seu pai, Rasqueado e tantas outras coreografias da vida quilombola.
Enfim, as danças quilombolas do grupo Imaginário, apresentadas por meio desse importante projeto cultural, continuam a fazer folias e criar arrasta-pés em cada um que acompanhou a programação. Mas não só: elas foram eternizadas em forma de documentos históricos nos vídeos e fotografias aqui relatados.





