Fotos de Bárbara Tagliani da apresentação do dia 06/11/2018 – IV Festival Unir Arte e Cultura.
Começou o Palco Giratório 2018 – RO
No feriado de 7 de setembro, sexta-feira, iniciou-se em Rondônia a edição 2018 do Palco Giratório, com o Seminário Palco Giratório 2018 – Arte como (Re) Existência.
Artistas, grupos de teatro (Trupe dos Conspiradores, Teatro Ruante, O Imaginário – RO, Wankabuki e Associação Cultural Waraji, dentre outros), professores universitários (UNIR, UFAC e UFPA), alunos, curadores e funcionários do SESC de diversas partes do país, representantes de movimentos sociais e culturais (Coletivo Mina Livre, Setorial de Teatro de Porto Velho, Pró-Cultura Rondônia e #depositaSejucel) e da sociedade civil de Rondônia – e até mesmo crianças – estiveram presentes no Teatro 1 do SESC Esplanada para participar das excelentes mesas de debates realizadas nas tardes e noites de sexta-feira e sábado.
No dia 07/09, de 15h às 16h30, a Mesa 1 – Gestão Cultural na Contemporaneidade: como gerir garantindo a arte o lugar de (Re) Existir? – abriu as sessões de debates com os convidados Daina Leyton, de São Paulo, José Manuel, do SESC Pernambuco, e Keila Barbosa, de Rondônia. A mediação ficou a cargo de Raphael Vianna, do SESC – DN.
Mais tarde, de 17h às 18h30, foi a vez da Mesa 2 – Acessibilidade Cultural: pulverizando as ações em arte, com os convidados Rita Marize, do Sesc Pernambuco, e Suzi Bianchi, do Rio de Janeiro. A mediação foi de José Manuel, do Sesc Pernambuco.
Por fim, e não menos importante, a Mesa 3 – Novos Olhares para a dança na Amazônia, fechou o ciclo de debates do primeiro dia de seminário. Dessa mesa participaram a professora Valeska Alvim, da Universidade Federal do Acre (UFAC), o professor Luiz Lerro, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e a professora Waldete Brito, se não me engano da Universidade Federal do Pará (UFPA). No meio da numerosa plateia, que fazia uma grande festa para receber os convidados, encontravam-se alunos e integrantes do projeto Mediação Cultural – Palco Giratório 2018, que é coordenado pelo professor Júnior Lopes do Curso de Licenciatura em Teatro da UNIR.
O primeiro dia de debates foi muito proveitoso, rico e culturalmente intenso.
No sábado, no dia 08/09, entre 16h e 17h30, também no Teatro 1 do SESC, ocorreu a Mesa 4, com o tema mais que relevante e necessário “O protagonismo feminino na arte”. Para compor a mesa foram convidadas as palhaças Selma Pavanelli, de Rondônia, e Mariana Gabriel, de São Paulo, ademais da professora e bailarina Waldete Brito, do Pará. A mediação foi de Jane Schoninger, do SESC Rio Grande do Sul.
E para encerrar o Seminário Palco Giratório 2018 – Arte como (Re) Existência, aconteceu a Mesa 5 – Festivais de Teatro Independentes: Mapeando Rondônia, com a presença de Valdete Souza, de Vilhena/RO, uma das coordenadoras do Festival Amazônico de Monólogos e Breves Cenas; de Paulo Santos, de Guajará-Mirim/RO, um dos coordenadores do Festin-Açu (Festival Internacional de Teatro de Guajará-Mirim); e de Chicão Santos, de Porto Velho, um dos coordenadores do Festival Amazônia Encena na Rua. A mediação dessa mesa foi de Clarissa Franci, do Sesc Pará.
Assim como o primeiro dia de debates, o segundo também foi muito farto e profícuo. E mais: muito importante para a classe artística do Estado de Rondônia, que carece de efetivas políticas públicas nas áreas de Arte e Cultura e da representatividade feminina.
A programação artística do Palco Giratório de Rondônia começa hoje, às 17 h, na Lona do Palhaço Biribinha (Parque da Cidade), com o espetáculo de circo Magia, da Companhia Teatral Turma do Biribinha, de Alagoas.
Crédito: Foto de Eliane Viana (Agenda Porto Velho).
Haja feijoada pra tanta indigestão! Dança-teatro em Porto Velho
Ontem, 23 de novembro, no Teatro 1 do SESC Esplanada de Porto Velho, iniciou-se a Mostra de Danças SESC 2017.
Após três apresentações infanto-juvenis, pelas quais os pais quase sofreram um treco de tanto gritar e aplaudir, eis que “insurge” uma coisa que “destoou” completamente do que até naquele momento acontecera.
Assim perguntou uma criança sentada numa poltrona atrás da minha:
– “Papai, o que está acontecendo?”.
– “Eles estão passando mal!”, explicou ironicamente o pai.
– “Por que, papai?”.
– “Porque eles comeram muita feijoada antes da apresentação!”.
– “Entendi!”, respondeu a inquieta menina.
Os atores-dançarinos, que se vestiam tão “estranhamente” (“muitos deles com trajes árabes”, disse uma espectadora mal humorada sentada ao meu lado), e que dançavam e “teatravam” músicas ainda mais esquisitas – “dissonantes”, disse-me o professor Dr. Luiz Lerro e coordenador do Curso de Extensão Dança-Teatro -, passavam mal no palco de tanto comerem feijoada de paixão, de tanto deglutirem couve de tesão e de tanto ingerirem coca-cola (ou cachaça?) do alabão! (Esta rima pobre e sem sentido é proposital, pois não encontrei nenhuma palavra boa que rime com tesão e paixão e que expresse adequadamente o meu sentimento diante de tanta hipocrisia e ignorância!). Continuando: “estrebuchando” ali no chão, sob os olhares medievais de boa parte da plateia atônita, um grupo de pessoas completamente heterogêneo (estudantes de teatro, bailarinos, bailarinas, homens e mulheres comuns, heterossexuais, homossexuais, jovens, idosos, etc.) entregavam-se de corpo e alma à tão misteriosa (para uma parte expressiva do público ali presente, quiçá para o público geral de Porto Velho!) Dança-Teatro.
– “O que está acontecendo agora, papai?”, pergunta novamente a criança.
– “Eles estão saindo do palco!”, responde o pai.
– “Por quê”?
– “Para tomar remédio”, finaliza la cu nar mente o pai que não tinha mais nada para passar para a sua pobre criança.
E assim o Temer continua no poder!
Rondônia: um Estado de Delícias Culinárias
“Rondônia: um Estado de Delícias Culinárias” trata-se de um documentário de cinco minutos produzido por Luciano Oliveira e Júnior Lopes (professores do Curso de Licenciatura em Teatro da UNIR) e Ivan Souza (publicitário, jornalista e comunicador social de Porto Velho), com participação de discentes do mencionado curso, bem como de artistas e de pessoas da comunidade portovelhense, para ser exibido na Feira Cultural Brasil & Estados Unidos: the best of Brazil and USA, ocorrida em Framingham, Massachusetts, entre os dias 02 e 06 de novembro de 2017. Ele foi exibido também no III Festival UNIR Arte e Cultura, em Porto Velho. Por meio da comicidade e de improvisações dos atores, conta a história de Cassandra Baby, uma mulher de Guajará Mirim, cidade do interior de Rondônia, que vem para a capital em busca de ingredientes para preparar um “banquete” para seu “boy”, um pretendente amoroso italiano que conhecera em um aplicativo de relacionamentos. Cassandra Baby é uma personagem do espetáculo teatral “Cassandra, BR-trans-amazônica”, montado pelo ator Júnior Lopes, e estreado em agosto deste ano.
– Direção Geral e Cinegrafista: Ivan Souza
– Roteiro e direção de elenco: Luciano Oliveira
– Atuação: Junior Lopes
– Elenco de apoio: Ádamo Teixeira, Jamile Soares, Stephanie Caroline, Gabriel Corvalan, Jaqueline Luquesi, Sheila Souza, Lia Assunção, Guilherme Ferreira, Flaw Naje e Verônica Brasil
– Figurino: Junior Lopes
– Cabelo e maquiagem: Jaqueline Luquesi
– Assistente de maquiagem: Sheila Souza
– Edição (tradução de legenda): Verônica Brasil
– Edição de Imagens: Jéferson Dino
– Produção: Flaw Naje
– Apoio Técnico e Assessoria de Imprensa: Emanuel Jadir Siqueira
Agradecimentos: Ronildo Chaves (Kamilly Panificadora e Confeitaria); Paky’Op (Laboratório de Pesquisa em Teatro e Transculturalidade – UNIR); Luciano Pinheiro e Vanderlei Júnior (pela liberação da música Pra Porto Velho Eu Vou); Ulisses Ferreira (bebezinho); Antonha Cristina Fontinele (Barraca da Cristina); Sr. Nilson (O Rei do Açaí); Sr. Severino; Dona Mimozete; Reinaldo Ribeiro; Cleomar Mendonça e Jonisson (Barraca Rei da Goma); Dona Francisca; Dona Izabel Araújo; Rodrigo Anconi; Denilson; Eberson e Vanessa Cristina (Barraca da Cris).
APOIO: Kamilly Panificadora e Confeitaria
Música: Pra Porto Velho Eu Vou! (Composição, Letra e Música: Luciano Pinheiro e Vanderlei Júnior)
Espetáculo “As Mulheres do Aluá” repaginado e amadurecido
Personagens de Mulheres do Aluá – Fotos de Leonardo Valério
Há quase três anos, próximo à data da minha chegada em Porto Velho, ocasião em que assumi o cargo de professor do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia, tive a possibilidade de assistir ao espetáculo “As Mulheres do Aluá”, do Grupo Imaginário.
Lembro-me que ele tinha estreado fazia pouco tempo. Talvez eu tenha assistido à terceira ou quarta apresentação ocorrida no Teatro 1 do Sesc Esplanada. Mas não tenho certeza disso!
Muito bem, no frescor da estreia, recordo-me da potência estética do espetáculo, principalmente na visualidade (cenário, figurino, iluminação, maquiagem e penteado) e na trilha sonora. O Teatro 1 do SESC me pareceu muitíssimo aconchegante e propício ao desenvolvimento do realismo a que se propôs a direção do espetáculo, competentemente realizada por Chicão Santos.
O elenco da época contava com o delicioso trabalho de Zaine Diniz, Agrael Pereira, Jaqueline Luquesi e Amanara Brandão. A primeira atriz, bastante experiente, é uma das fundadoras do grupo, ao lado do esposo Chicão Santos. Já Agrael era aluna do curso de Teatro da UNIR e Jaqueline postulava ser discente desse curso, o que, mais tarde, se concretizou. Amanara Brandão, a caçula do grupo, almejava entrar no Curso de Artes Visuais da federal. Recordo-me que eu, Adailtom Alves e Alexandre Falcão, também professores de teatro na Unir, confabulávamos sobre a importância de convencê-la a bandear-se para o teatro. E isso, realmente, aconteceu.
No frescor e adrenalina da estreia, “As Mulheres do Aluá” demonstrou-se vibrante e fundamental na discussão dos papeis das mulheres na construção da cidade de Porto Velho, nos primeiros anos do século passado.
Depois de quase três anos pude assistir novamente, no último fim de semana, a esse agradável espetáculo. Mas agora com uma nova configuração espacial, teatro de arena, e com uma nova integrante, Flávia Diniz, que substituiu Jaqueline Luquesi que se licenciou do grupo para trazer à luz o pequeno Ulisses.
Entre uma e outra apresentação que assisti há ganhos e perdas. Mais ganhos, na verdade, devido a passagem do tempo e ao amadurecimento das atrizes. Como professor de duas integrantes e de uma ex-integrante do grupo, convém, didaticamente, analisá-las. Ainda mais em se tratando de alunas das disciplinas de Improvisação, Interpretação e Encenação Teatral. Nesta última, por exemplo, estamos operando com as categorias poética e estética. Grosso modo, a poética está ligada ao fazer, com os modos de produção de um espetáculo. Já a estética relaciona-se mais com a recepção (sensorial, intelectual, etc.), por parte do público, dos múltiplos elementos de uma encenação.
O primeiro ganho refere-se à experimentação do espetáculo em uma configuração de arena. Ele tinha sido concebido, inicialmente, para palco italiano. Com a apresentação ocorrida neste último sábado ficou claro que “As Mulheres do Aluá” pode acontecer tanto em palco italiano, quanto em semi-arena e até mesmo em arena (desde que em espaço fechado). Nesse sentido, o espetáculo é dinâmico. Porém, é preciso atenção das atrizes e do diretor em relação às especificidades das diferentes configurações espaciais pois, com a aproximação do público da cena por meio da arena, como a ocorrida no Tapiri, que é um espaço intimista, a quarta parede deixa de existir e realça ainda mais os elementos materiais e visuais da encenação. E as fragilidades ficam mais evidentes, como algumas falhas interpretativas, do mesmo modo que as qualidades saltam aos olhos, como a potência cenográfica. Contudo, neste primeiro ganho também há perdas, principalmente na iluminação, que é um dos pontos fortes do trabalho apresentado no SESC. O Imaginário ainda não conseguiu resolver os problemas técnicos do Tapiri no que tange aos equipamentos de luz e isso prejudicou a última apresentação.
Outro ponto a ser observado no âmbito desse novo espaço, mais especificamente sobre a apresentação do sábado, diz respeito à energia das atrizes. Não importa o número de espectadores, mas o elenco não pode deixar a peteca cair. Constantin Stanislávski, notável encenador pedagogo russo, dizia aos seus alunos sobre a importância de sempre se manter viva a energia de um espetáculo. Para ele, os atores precisavam constantemente trabalhar suas energias e emoções para que o espetáculo fosse sempre novo, independentemente se se tratasse da milésima ou da primeira apresentação. Nesse ínterim, o fazer e o descobrir deve ser diário. E tais descobertas, o novo, deve alimentar o velho.
Ainda em se tratando do visual, bem como das ações físicas e vocais das atrizes, há perdas no espetáculo atual. Uma delas pode ser notada na composição exterior da personagem “bruxa”, interpretada por Amanara Brandão. O penteado original, da estreia, é mais bonito e compõe melhor com a realidade psicológica da personagem. Porém, a atriz cortou os cabelos. Já nas ações físicas, as maiores questões encontram-se na personagem “cigana”, interpretada por Flávia Diniz. Uma substituição é sempre muito difícil porque, geralmente, quem cria a personagem primeiro dá a ela características conforme suas vivências e experiências. Jaqueline Luquesi, que interpretava inicialmente a “cigana”, conhece danças folclóricas e movimentos do flamenco, como os que foram utilizados na elaboração coreográfica dessa personagem. Ademais, fala o espanhol, pois nasceu em Guajará Mirim, cidade rondoniense localizada na fronteira entre Brasil e Bolívia. Importa observar que a “cigana” é uma espanhola que veio trabalhar em Porto Velho na época da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Logo, no contexto da encenação realista do grupo O Imaginário, a “cigana” fala o espanhol fluentemente e conhece bem a dança flamenca. Por mais que se trate de teatro, uma arte ficcional por natureza, a verossimilhança pode gerar no espectador o processo de identificação com a personagem (ainda mais no Brasil, império das telenovelas realistas!). Desta feita, um espanhol não tão bem articulado pode gerar um ruído, assim como a não execução precisa de determinados passos do flamenco. A sugestão que dou para Flávia Diniz, que carinhosamente chamo de Flavinha, atriz jovem com um futuro brilhante no teatro e no circo, é que busque a sua própria “cigana” a partir das experiências pelas quais passou.
No tocante às ações vocais, em determinadas passagens do espetáculo as falas ficam monótonas, no sentido de que apresentam continuamente o mesmo tom e que se repetem invariavelmente. Por isso, é preciso encontrar novas modulações, ritmos e coloridos vocais para as personagens a fim de valorizar ainda mais o excelente texto de Euler Lopes Teles. Por fim, as cantigas executadas ao vivo são muito bonitas e corroboram bastante para a paisagem sonora do espetáculo.
Para concluir, faz-se mister notar que o trabalho de criticar um espetáculo de teatro, assim como os artistas nele envolvidos, é muito delicado e difícil, ainda mais quando o crítico é tão próximo (amigo e professor) dos integrantes do grupo. Venho trabalhando com meus alunos, e em mim mesmo, a importância da crítica na construção do aprendizado da linguagem teatral, bem como enquanto ferramenta de reflexão estética sobre o espetáculo ou grupo ao qual ela se direciona. Desse modo, uma crítica configura-se como um olhar recortado ou ampliado, dos muitos olhares possíveis, de um dado fenômeno artístico realizado por determinado profissional. E ela varia de olho para olho. E como dizia o professor de Metodologia da Pesquisa Milton de Andrade, do Programa de Pós-graduação em Teatro da UDESC, a respeito da escrita e da pesquisa acadêmica, é preciso que se troquem os óculos constantemente. Isso serve bem para a crítica teatral!
Era uma vez João e Maria… & ainda é

04 de março de 2017. Depois de um hiato teatral de três meses, e também da falta de artigos neste blog, eis que em um entardecer agradável no Parque da Cidade de Porto Velho irrompe o aconchegante espetáculo teatral “Era uma vez João e Maria… & ainda é”, do Teatro Ruante. Nesse belo espaço democrático da capital rondoniense conviveram pacificamente (e em tempos de trevas isso é admirável!) arte teatral, música gospel, rappers, skatistas, famílias, drogados, héteros, homossexuais, burgueses, brincantes, populares, trabalhadores, comunistas e fascistas.
Após esse período, em que tal grupo merecidamente também aproveitou as férias, o espetáculo, que fora estreado em dezembro do ano passado, passou por algumas notáveis mudanças: o figurino e o cenário estão mais belos; alguns objetos de cena foram aprimorados e o/a personagem “Coisa”, uma máscara popular do nordeste, ou, dependendo do uso que se faz dela em cena, um boneco habitável, está mais coloridamente vibrante. Nesse viés de mudanças, o diretor da peça, o professor Adailtom Alves, entrou na cena como ator e músico trazendo nova sonoridade e experiência para o sutil ato teatral.
Por sua vez, Selma Pavanelli, uma das fundadoras do grupo em São Paulo ao lado do marido Adailtom Alves, constitui, enquanto atriz, a espinha dorsal do divertido jogo que se vê em cena. No entanto, é assombroso observar o crescimento profissional e artístico de Bruno Selleri. Também a atuação da jovem atriz e estudante do Curso de Licenciatura em Teatro da UNIR Jamile Soares, que se aperfeiçoa a cada apresentação, não deixa muito a desejar em relação aos demais colegas de cena.
“Era uma vez João e Maria… & ainda é”, como aponta a sinopse do espetáculo constante no útil material de divulgação do grupo, trata-se da “conhecida história de Hansel e Gretel, colhida pelos irmãos Grimm, e divulgada entre nós como João e Maria, [que] ganha a adaptação do Teatro Ruante pra espaços abertos. A peça conta a história de duas crianças abandonadas por seus pais na floresta, onde se deparam com A/O Coisa”.
Intriga-nos no título, porém, a expressão “& ainda é”. Qual o por quê disso? O que continua sendo em João e Maria? O que aproxima e distancia a história europeia do século XIX dos irmãos Grimm do atual momento brasileiro?
A história original de João e Maria remonta à dureza da vida na Idade Média. Por motivo da fome e da constante falta de comida, o assassinato de crianças era uma prática comum no Medievo. Nessa história os irmãos são deixados pelos pais na floresta para que morram ou sumam, porque não podem ser por eles alimentados.
Panelas vazias lá e barrigas famintas aqui. Ficção e realidade se misturam no complexo e atual vasilhame histórico do Teatro Ruante que aponta que, como na Idade Média, o maior poder de compra continua sendo das classes socialmente privilegiadas. A manutenção do capitalismo, e consequentemente da fome, é um dos sintomas da doença do capital que segue até o nosso tempo. O/A “Coisa”, como é cantado pelos artistas ruantes, persiste em explorar a mão de obra dos pobres “João e Maria” que trabalham em troca de migalhas insuficientes para encher “seus barrigões”. Política, teatro, música e brincadeiras populares se misturam dialeticamente na encenação de Adailtom Alves para, além de nos divertir, nos fazer pensar e compartilhar sobre essas e outras questões sócio-políticas da atualidade brasileira. João, Maria, Isabela, José, Antonieta, Nazaré, Expedito, Jacinto, Joana, Ubiraci e tantos outros brasileiros batem as panelas de fome enquanto ouvimos ressoar ainda as panelas do Fora Dilma. Contudo, não se ouve nada das ricas panelas do “Coisa/Temer”. A fome persiste e gruda, enquanto a democracia voa para longe. E crianças e pensamentos continuam a serem exterminados a todo momento, espelhando-se no ocorrido da floresta dos irmãos Grimm.
Corolário: um espetáculo com temperos e aromas diversos para ser visto, ouvido, cantado e dançado no espaço da democracia por todos aqueles e aquelas que querem se emocionar enquanto desfrutam de ideias construídas artisticamente por meio de fragmentos narrativos históricos e contemporâneos à luz da tolerância e da diversidade.
Por Luciano Oliveira e Ádamo Teixeira
Cidade Grande – João Ninguém

Sabe-se da dificuldade de se montar um espetáculo teatral. Ainda mais complexo é criar um trabalho com muitos artistas em cena. E é ainda mais difícil quando tais artistas são estudantes. Foi assim, com muitos percalços, que os professores do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia Adailtom Alves e Alexandre Falcão encenaram “Cidade Grande – João Ninguém”, trabalho de conclusão do belíssimo curso de extensão universitária “Processos em Criação em Grupo”, neste ano de 2016.
Uma turma grande, que se iniciou com 25 alunos, instalada em uma sala pequena na UNIR Centro, em Porto Velho. Um elenco volumoso ao longo do processo de criação, que durou cerca de 7 meses, que se encerrou com 18 atores-aprendizes: discentes de graduação em teatro, estudantes diversos da UNIR, comunidade em geral, adultos e adolescentes. Heterogeneidade! Multiplicidade! Um coro de muitas vozes, pensamentos e pontos de vista! Está instalada a diversidade, inclusive de gênero, sexualidade e religiosidade.
Dadas as diferenças, iniciou-se, após alguns meses de atividades teatrais, como jogos e exercícios cênicos de improvisação, a construção de um espetáculo a partir do complexo texto teatral “Cala a boca já morreu”, de Luís Alberto de Abreu, um dos principais dramaturgos brasileiros. Pretenção deliciosa e corajosa! Uma mistura estético-poética entre o teatro épico de Brecht e o teatro de rua, ocorrida no interior e no exterior do belo edifício da Reitoria da Unir, no centro da capital rondoniense, os professores anteriormente mencionados foram dando a tônica do espetáculo. A despeito da pouca experiência com direção desses artistas-professores, “Cidade Grande – João Ninguém” foi se desenhando delicadamente nas palavras, escorregando nas escadas, equilibrando-se nos meandros da intuição e da competência artística. O corpo de elenco, também inexperiente, com exceção do aluno-ator Almício Fernandes, colaborou, sobremaneira, para a criação dessa difícil montagem.
Enfim, a estreia e uma pequena temporada, que com um grande e diverso elenco pode ser encarada como gigante, reuniu a multiplicidade e o esforço de muitos, como do competente cenógrafo Elcias Villar. O que se vê e se ouve, ao longo de pouco mais de 60 minutos, é muito agradável e surpreendente. Também é assustador ver, já de entrada, a força com que alunas iniciantes interpretam prostitutas. Aprendizes da dolorosa e prazerosa arte teatral levarem ao público de olhares curiosos os meandros psicológicos de personagens que muito se aproximam aos de Macunaíma, de Mário de Andrade. Ou até mesmo aos de Cobra Norato, de Raul Bopp, com as andanças de Honorato e do seu companheiro tatu-de-bunda-seca em busca da branca, europeia e civilizada de olhos azuis – em contraposição aos “atrasados” brasileiros, representados pelos “bárbaros” amazônicos – Filha da Rainha Luzia. Assim é “João Ninguém”, um “Jeca-Tatu” contemporâneo, que chega à cidade grande em busca de trabalho e de melhores condições de subsistência. Mas, pobre João, as coisas não funcionam bem assim no explorador mundo capitalista! Por meio de diversos percalços e reviravoltas surpreendentes, os nós da trama espetacular vão se desatando, e/ou se complexificando, à medida que o público se desloca pelo misterioso prédio da reitoria da Unir. E quão agradável é perceber o esforço e o talento dos atores, atrizes e músicos no desenrolar da narrativa! Surpresas muito gratas ao ver novos talentos surgindo e a consolidação do aprendizado das atrizes Danny Moschini e Sheila de Souza, além do já mencionado Almício Fernandes, que interpreta o árduo Atílio, o parceiro de aventuras de “João Ninguém”. O curso de teatro da Unir está de braços e corações abertos a todos vocês!
Para concluir o espetáculo, já no interior da Sala do Piano, um coro lindíssimo de 18 vozes acompanhado ao vivo em piano. O meu espírito, e olha que sou ateu, foi arrebatado. Meus poros se dilataram, a minha voz embargou, meus olhos se encheram de lágrimas e meu coração palpitou de alegria ao ouvir o texto final de Abreu musicado tão belamente.
Parabéns aos alunos e muito obrigado aos professores por encerrarem com tamanha justeza a ação de extensão que integra o Programa IntegrArte do DArtes/Unir.





