Texto e fotografia: Dennis Weber

Eu tenho me perguntado ultimamente quem são meus inimigos e se de fato os tenho. É uma questão que permeou praticamente 2018 todo e com certeza levarei para o ano seguinte esse questionamento. Isso porque, como todos sabem, vivemos uma guerra digital, em que as máscaras e velhos preconceitos voltaram a florescer em solo brasileiro.

Dois mil e dezoito foi um ano de perdas, simbólicas, materiais, sentimentais. Perdemos amigos e familiares que achávamos serem mais críticos, imunes aos discursos inflamados e … cheios de ódio (mesmo que esse tenha tentado ser justificado). Nunca pensei que iria chorar por causa de política, mas chorei. Ver o discurso de ódio vencendo e assumindo o poder da nação mexeu comigo, com os meus, e com os outros.

Acho que a pontada maior, a que apertou mais, a que me jogou no fosso do medo e presentificou através da arte a realidade que vivemos, foi a cena em que a personagem-boneco “Senhora Democrácia”, do espetáculo “Inimigos do Povo”, morreu e foi sepultada pelos demais personagens. Ali, materializado, estava o meu sentimento de perda após as eleições presidenciais de 2018.

Dirigido pelo professor do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia, Luciano Oliveira, o espetáculo com mais de uma hora de duração e adaptado da peça “Um Inimigo do Povo” de Henrik Ibsen, é um verdadeiro grito de protesto contra a hipocrisia da sociedade em que vivemos. Onde quase sempre o “certo” é substituído pelo “fácil” e a honestidade é achacada pelos “homens de bem”.

A Trupe dos Conspiradores, grupo formado essencialmente por professores e acadêmicos do curso de teatro da Unir, levou para o palco do Teatro Guaporé, em Porto Velho (RO), entre os meses de novembro e dezembro, uma miscelânea criativa de propostas cênicas, jogos teatrais, danças, projeções audiovisuais, tudo isso costurado de forma habilidosa pelo diretor e pelos próprios alunos que sugeriram muitas das cenas apresentadas. Como esquecer da dança com guarda-chuvas? Como não se chocar com o cachorro-homem com a bandeira do Brasil na face urinando em cima de um Dr. Stockmann humilhado, desacreditado por toda uma cidade que, pelo ganho econômico provindo de um balneário contaminado por vírus, fungos, bactérias deixou de acreditar no discurso especializado da ciência? Como não associar todos aqueles judeus projetados ao fundo, à toda a sorte de desvalidos, de gente à margem das políticas e benesses que deveriam ser promovidas pelo Estado com o dinheiro dos inúmeros impostos abusivos cobrados desde antes de nascermos?

“Inimigos” nasceu e se desenvolveu durante mais de um ano, acompanhando todo esse movimento rumo a um Estado autoritário, um Estado de ignorância generalizada, de discursos odiosos. “Inimigos” juntou gente que vive o teatro, que vasculha todas as camadas e subcamadas do texto-drama-país em busca de uma análise sincera sensível de uma nação que caminha para a barbárie, de gente que não entende o discurso-arte, que prefere se basear em fatos alternativos, que renega a ditadura brasileira (como pudemos ver ao final de uma das noites de apresentação).

É possível associar toda essa guerra virtual, essa desconstrução da verdade (dos fatos), essa inflamação de ódio aos diferentes e não hegemônicos, que vivemos durante o período eleitoral ao contexto apresentado por “Inimigos do Povo”. A peça, escrita em 1882, é tão atual que a cada página é inegável traçar paralelos com fatos da contemporaneidade em que vemos prevalecer a roubalheira generalizada. Melhor ainda foi a montagem realizada pela Trupe dos Conspiradores, em que, junto ao texto original, foram adicionados vários elementos atuais, criando esse jogo entre passado-presente-futuro (ainda me pego pensando na morte da Democrácia).

Enfim, 2018 me mostrou que é melhor manter certas pessoas-pensamentos sob vigilância, algumas até distantes. E ver, acompanhar o processo de criação de Inimigos, ajudar a montar o cenário, me mostrou que o teatro é um dos meus locais de fala-pensamento, que no teatro encontro os afetos necessários para aguentar esta realidade que é mais ficcional que a própria ficção. Espero que no próximo ano a Trupe possa realizar mais temporadas deste espetáculo tão necessário para entender a hipocrisia humana.

Trupe dos Conspiradores e Funcer apresentam:

 

II Mostra de Encenações do Dartes/UNIR (MEDU II)

 

Programação:

24/11/2018: 20 h – Abertura da mostra com a apresentação do espetáculo Inimigos do Povo, da Trupe dos Conspiradores, Rondônia;
25/11/2018: 19 h – Reapresentação de Inimigos do Povo;
26/11/2018: 19 h – Apresentação de Tabule, da Cia Peripécias de Teatro, Rondônia.

Retirada de ingressos no local, 1 h antes do início dos espetáculos.


O projeto Inimigos do Povo – Trupe dos Conspiradores foi contemplado pelo PRÊMIO DE TEATRO JANGO RODRIGUES – 2017 e tem o apoio do Governo do Estado de Rondônia e da SEJUCEL (Superintendência Estadual da Juventude, Cultura, Esporte e Lazer).A Trupe dos Conspiradores conta também com o apoio da FUNCER (Fundação Cultural do Estado de Rondônia), da PROCEA (Pró-reitoria de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis da UNIR), do Departamento de Artes da UNIR, da Banda Tuer Lapin, da Sol Maior Escola de Música, da Panificadora Kamilly, da Arts Gesso e da Dydyo Refrigerantes.


Sinopses dos espetáculos:

Inimigos do Povo: Espetáculo teatral contemporâneo (que mistura teatro, teatro de formas animadas, dança, música, vídeos e projeções) livremente inspirado na obra “Um Inimigo do Povo” (1882), do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. O processo de montagem desse espetáculo iniciou-se dentro do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e hoje é uma ação do Projeto de Extensão Trupe dos Conspiradores: pesquisa e prática em encenação e em atuação. Nosso espetáculo traça um paralelo entre as temáticas do texto de Ibsen com acontecimentos político-sociais do Brasil atual. Por meio de Inimigos do Povo conspiramos contra a corrupção, homofobia, hipocrisia, unanimidade, racismo, machismo, partidarismo, intolerância religiosa e de gênero, ditadura, mau-caratismo, fome, reforma trabalhista, reforma da previdência e precarização da saúde e da educação.

Classificação indicativa: 14 anos

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Tabule: O espetáculo teatral Tabule, protagonizado pelo ator Júnior Lopes, tem como ponto de partida a cultura árabe e a sociedade pós 11 de setembro para dar ênfase ao cruzamento de culturas entre o pensamento “oriente” versus “ocidente”. A montagem é uma tragicomédia que apresenta, de maneira irreverente, situações propositalmente exageradas e estereotipadas sobre as percepções de cada cultura.

Classificação indicativa: 12 anos

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