“A dança se faz não apenas dançando, mas também pensando e sentindo: dançar é estar inteiro” (Klauss Vianna)

A dança quilombola do Imaginário, grupo de teatro de Porto Velho, ainda continua a pensar, sentir e dançar por inteiro; mesmo após o encerramento do projeto “Quilombo, Residência Artística Flutuante pelas águas do Vale do Guaporé, no Estado de Rondônia – Amazônia”, selecionado e agraciado pelo Prêmio Funarte Klauss Vianna de dança de 2015.
Em tal projeto, iniciado em agosto de 2016, O Imaginário realizou “imersões, pesquisas, mapeamento e intercâmbios ao longo do Vale do Guaporé” e um Encontro Cultural, no TAPIRI, sede do grupo em Porto Velho, nos dias 17, 18 e 19 de março. Nestes foi realizada uma belíssima exposição fotográfica intitulada “Uma viagem pelo Vale do Guaporé”, exibidos a vídeodança GuariterêBenguela e o documentário Quilombolas: Veias Negras do Guaporé, além de realização de rodas de conversa e uma noite de Rasqueado, dança típica pesquisada e bailada nas pesquisas junto aos quilombos. Faz-se mister notar também os deliciosos encontros culinários entre os convidados quilombolas e o público bastante diverso que frequentou o encontro.
Como convidado pude sentir bater nos sentidos os diversos tipos de danças apresentados pelo projeto. Pude constatar na exposição fotográfica, muito belamente disposta no Tapiri, que as imagens, mesmo que imóveis, também dançam. E bailam num duplo sentido: na forma que estão organizadas no espaço (seja individual e/ou coletivamente) e nas imagens que são representadas em cada fotografia. Nas figuras, o dançar congelado em cada movimento nos remete às danças dos deslocamentos dos membros nos atos de trabalho outrora realizado, aos gestos do lazer experimentado por cada indivíduo, às expressões dos sentimentos, às mudanças das águas dos rios e ao deslizar dos barcos sobre essas sagradas substâncias da mãe natureza.
Como expectador pude enxergar com os ouvidos, ouvir com os olhos, cheirar com o paladar – cuja língua em roda-viva age gulosamente na feijoada, na vaca atolada, na caldeirada de peixe, no tambaqui frito e na paçoca (de carne no pilão) – e assistir com os corações (são dois, pois meu amor estava ao meu lado) ao imprescindível documentário “Quilombolas: veias negras do Guaporé”, dirigido competentemente por Chicão Santos, e com belas fotografias de Raíssa Dourado, e à apaixonante videodança GuariterêBenguela, também dirigido por Chicão e com coordenação de dança de Andrea Melo e Berenice Simão. Nestes as danças se multiplicam, tal qual peixes em piracema. Contando o bailado da câmera (que pode ser lida como o piscar dos olhos do diretor) e os “fades” da edição, realizada por Michele Saraiva, cada movimento dessa piracema – composta por gestos de todos os tamanhos – comprova a tese de que a dança não se faz apenas dançando. Depoimentos de quilombolas como a da Dona Maria Waldelice (Vovozona) e de Antônia Janira Silvaterra, dentre tantos outros, resgatam as tradições culturais dos antepassados escravizados e daqueles que agora são livres, mas que correm riscos de perder suas tradições e seus lugares de vida por motivo de estratégias políticas mal articuladas e de PECs (Propostas de Emenda Constitucional), como a PEC 215, que ameaçam o imaginário e a existência de comunidades quilombolas e indígenas. A “coreografia” de Mafalda da Silva Gomes descendo o rio depois de muitos anos é uma das cenas mais emocionantes do documentário. Comovente também é a videodança de Elba Calazan, que baila banhos de rio, pesca de pescador, as plantações de mandiocas do seu pai, Rasqueado e tantas outras coreografias da vida quilombola.
Enfim, as danças quilombolas do grupo Imaginário, apresentadas por meio desse importante projeto cultural, continuam a fazer folias e criar arrasta-pés em cada um que acompanhou a programação. Mas não só: elas foram eternizadas em forma de documentos históricos nos vídeos e fotografias aqui relatados.